Como é do conhecimento geral, a situação política em Jerusalém não está das melhores. A tensão vem crescendo nos últimos meses, principalmente depois que um grupo de judeus religiosos vinha estimulando uma possível mudança no status quo da Esplanada das Mesquitas, local onde se encontra o Domo da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa e onde era o Templo de Israel até a década de 70 do primeiro milênio. Nos dois últimos meses, quase uma dezena de ataques terroristas aconteceram na cidade (também em Tel Aviv).
A tentativa de assassinato do líder do movimento pela volta dos judeus à Esplanada das Mesquitas, atropelamentos em estações do bonde, esfaqueamentos nas ruas, chacina na sinagoga no bairro de Har Nof e, obviamente, o confronto da polícia com a população árabe de Jerusalém Oriental que vinha combatendo a entrada de novas famílias de colonos em seus bairros, como aconteceu em Silwan. A morte de um cidadão árabe que atacou com uma barra de ferro um carro da polícia com um tiro à queima roupa, gerou uma série de manifestações e confrontos entre a polícia e as populações árabes em algumas cidades do norte do país.
Na última quinta feira um coquetel molotov foi jogado dentro de um carro de uma família judia nos territórios ocupados. Houve burburinhos sobre uma nova Intifada, dessa vez religiosa, muito mais estimulada pelo governo israelense do que pelo governo palestino. Se por um lado Abu Mazen conclamou o povo palestino a lutar contra a mudança do status quo na Esplanada da Mesquitas, sendo acusado de incitamento, de outro, ministros israelenses diziam que os judeus também tinham direito de orar no local sagrado hoje controlado pelos muçulmanos. Diversos membros do gabinete israelense mantinham seu fanático discurso de chamar o presidente palestino de terrorista, indo de encontro à opinião de grande parte da comunidade internacional e, ultimamente, do chefe do serviço interno de segurança, o Shin Bet, que afirmou que Abu Mazen não estimula o terrorismo.
Na onda de violência, Benjamin Netanyahu fez um discurso dizendo à população árabe israelense também são cidadãos do país e, como qualquer judeu, também têm direitos e deveres. A violência não seria tolerada. Os atentados que ocorreram em Jerusalém recentemente, foram realizados por habitantes de Jerusalém oriental, a parte da cidade ocupada por Israel após derrotar o exército jordaniano que ocupava a região até 1967. Desde então, construiu-se o discurso de unificação da cidade, mas basta um rápido passeio pelos bairros em questão para perceber que essa unificação é fictícia.
A principal resposta do governo aos atentados ocorridos é a destruição das casas dos terroristas que cometeram os crimes. Essa é uma prática que já vem sendo aplicada nos territórios ocupados há anos apesar das diversas críticas da comunidade internacional e dos debates apontarem ser completamente ineficaz tal prática. Em geral os terroristas morrem após os atentados, então as principais vítimas das demolições são suas famílias, esposas, filhos, pais. Obviamente isso não é um ato educativo e sim, vingança, punição coletiva.
Acompanhei muitas vezes o debate de que dentro de Israel isso não acontecia. Essa prática se aplicava ao estado de exceção da ocupação israelense. Porém chegamos ao abismo agora. As casas de todos os terroristas de Jerusalém oriental foram sido destruídas a mando do governo israelense. O próprio primeiro-ministro dá a ordem para a demolição. Árabes israelenses, terroristas, têm suas casas destruídas após o atentado. E os judeus israelenses terroristas? Antes do início da última guerra com o Hamas, quando os corpos dos três jovens colonos foram encontrados, um grupo de judeus sequestrou e incendiou um jovem árabe de um bairro de Jerusalém oriental, Shuafat. Primeiro surgiram boatos que diziam que ele havia sido morto por outros árabes por ser homossexual, mas em poucos dias isso se mostrou mentira e os jovens foram presos.
As casas dos terroristas judeus foram destruídas? Não. Suas famílias continuam vivendo em suas residências. Não há uma política de punição coletiva ou uma suposta justiça com a demolição das casas. Podemos acrescentar o recente atentado ao colégio bilíngue árabe-israelense em Jerusalém. Os terroristas presos fazem parte de uma organização de extrema direita. Bibi, não minta. Não podemos ter dois pesos e duas medidas em Israel e nem nos territórios ocupados. Não são cidadãos com os mesmos direitos e nem com os mesmos deveres. Aqui, como em quase todo o mundo, os direitos e deveres não são iguais para todos, mesmo que leis afirmem garantir essa equidade.
O governo liderado por Benjamin Netanyahu com grande influência do movimento de colonos, estava destruindo de vez o sionismo ao transformá-lo, realmente, em uma política racista e discriminatória. É fundamental que refundemos o sionismo. Que sejamos capazes de construir um Estado que inclua e não exclua nem discrimine. Um Estado que seja capaz de entender diferentes perspectivas históricas como base fundamental para a inclusão de todos os seus cidadãos.
Foto - Vecteezy
Artigo publicado em 27 de dezembro de 2014
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