Originalmente publicado em 23/10/2015, no Conexão Israel
Em meio à tensão provocada por atentados terroristas nas ruas em Israel, somada ao tumulto na Cisjordânia, acontece em Israel, neste momento, o 37° Congresso Sionista Mundial. Fundado por Theodor Herzl em 1897, esse evento tem como objetivo discutir os rumos do sionismo mundial nos dias de hoje. E, como é de praxe desde 1951, o primeiro-ministro israelense realiza nele um discurso.
Pois bem. Nosso experiente primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, no alto de seus 66 anos de idade (completados no dia seguinte a seu discurso) e em seu quarto mandato (de três consecutivos), ex-ministro da Fazenda, ex-embaixador de Israel na ONU, ex-líder da oposição, ex-capitão da unidade de operações especiais do exército, e (não menos importante), filho de um dos maiores historiadores da história de Israel, Benzion Netanyahu, deu a seguinte declaração :
“Hitler não desejava exterminar os judeus nesta época, desejava expulsá-los. Haj Amin Al-Husseini, então, lhe disse: não os expulse, todos eles virão para cá (Palestina). Hitler, então, lhe perguntou: o que eu deveria fazer com eles. E Husseini respondeu: queime-os.”
Esta descrição simplista do encontro em 1941 entre o Mufti de Jerusalém (principal autoridade religiosa e política palestina na época) Al-Husseini e o ditador alemão Adolf Hitler é extremamente mentirosa, problemática, irresponsável e perigosa por diversos fatores.
Mentirosa
O encontro entre Hitler e Husseini está documentado, e já foi estudado por diversos historiadores, que em unicidade se voltaram contra o primeiro-ministro. Al-Husseini, apesar de ser um grande antissemita e portanto perigoso para os judeus, jamais sugeriu esta ideia a Hitler. Diogo Bercito, jornalista da Folha de São Paulo, se deu ao trabalho de transcrever parte deste encontro em seu blog e nos mostra isso. Confira trechos desta conversa aqui.
Problemática e Irresponsável
A frase é um ataque a um personagem palestino em meio a uma onda de violência, durante a qual, infelizmente, temos visto atentados cometidos também por judeus. Qual é a intenção de Netanyahu ao comparar Al-Husseini a Hitler em meio ao caos que se instaura em Israel? Era necessário citar o Mufti de Jerusalém no Congresso Sionista Mundial? Não há suficientes líderes sionistas a serem citados de forma positiva? Não há suficientes antissemitas vivos para serem combatidos? É realmente necessário comparar alguém a Hitler, que fez algo que nós, judeus, fazemos sempre questão de recordarmos por sua singularidade até mesmo quando comparado a outros genocídios no mundo?
Perigosíssima
Por fim, sua declaração é perigosíssima. Os revisionistas do Holocausto são bastante criativos ao negar o crime cometido pelos nazistas, mas carecem de apoio. No momento em que o primeiro-ministro israelense absolve Hitler da ideia de exterminar o povo judeu (com a mesma fórmula mentirosa, como estão acostumados a fazer os revisionistas), dá-lhes autoridade para discutir e questionar um fato histórico. Não é o mais importante saber se efetivamente foi Hitler quem teve esta ideia (muitos a credenciam a Himmler, pai da “Solução Final”). O Holocausto, em sua integridade, foi cometido pelos alemães nazistas. Obviamente muitos colaboraram, mas não se pode dividir a responsabilidade da ação. O primeiro-ministro israelense, “sem querer querendo”, parece ter dado armas aos revisionistas do Holocausto, corrente da qual faz parte o ex-presidente do Irã, Mahmmoud Ahmadinejad, criticado incessantemente pelo próprio Netanyahu.
Netanyahu sofreu ataques de historiadores, críticas de políticos e intelectuais israelenses e de todo o mundo, e teve de engolir o reconhecimento da própria primeira-ministra alemã Angela Merkel, que afirmou publicamente que os alemães foram responsáveis pelo Holocausto. Frente a essa reação, Netanyahu fez uma meia mea-culpa e disse que não teve a intenção de “livrar a cara” de Hitler pelo Holocausto. Em sua página no Facebook, ele escreveu que o Mufti de Jerusalém foi um de seus apoiadores.
Tarde demais, Bibi...
Tentando de forma demagógica associar uma liderança histórica palestina ao Holocausto, Netanyahu meteu os pés pelas mãos. Mentiu, incitou o ódio e foi irresponsável. Sua tentativa de associar a causa palestina ao Holocausto é exagerada e desnecessária. O uso político do Holocausto em seus discursos já se tornou pejorativo e sem impacto. Há muito tempo Netanyahu tenta relacionar exageradamente (quando não de forma mentirosa) esta tragédia ao islã, ao nacionalismo árabe e ao Irã. Desta vez, no entanto, ele passou dos limites.
Revise sua postura, Benjamin Netanyahu. O senhor, queira ou não, fala em nome de todos os israelenses e de boa parte dos judeus do mundo. Ninguém te concedeu o direito de dizer essas bobagens usando o seu respeitado cargo, principalmente as que dão armas aos revisionistas. Seu pai estaria envergonhado.
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Foto de capa: Israel Government Press Office (http://commons.wikimedia.org/)
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