Originalmente publicado em 13/12/2014, no Conexão Israel
Em 17 de março, pela 20ª vez em 66 anos, haverá eleições em Israel. O último governo, que não conseguiu completar nem dois anos desde que assumiu o mandato (o segundo mais curto da história do país), sai sem deixar grandes feitos: nenhum avanço no processo de paz, aumento considerável no custo de vida dos cidadãos e isolamento internacional sem precedentes. A 19ª Knesset tampouco: aprovou pouquíssimas leis e projetos, teve o demérito de levar a Lei do Orçamento à Suprema Corte, e foi dissolvida prestes a votar o projeto de lei mais importante dos últimos anos: a Lei Nacional do Povo Judeu. Com os poderes executivo e legislativo tão ineficazes, é fácil compreender porque chegamos às eleições. A pergunta, então, deveria ser: por que foram tão ineficazes? Tentaremos responder esta pergunta ao longo do texto.
Alguns alegam que a atual coalizão era uma aberração, e jamais poderia manter-se no poder por muito tempo. Eu discordo. A anterior, que durou quatro anos, era ainda mais incoerente: contava com Likud, trabalhistas (posteriormente com fragmentos do partido), ultra-ortodoxos, parte da direita nacionalista-religiosa e com a direita nacionalista não-religiosa. Neste último governo, uniram-se as direitas nacionalistas laica e ortodoxa (Likud, Israel Nossa Casa e A Casa Judaica) com partidos de centro (HaTnua e Yesh Atid). Não havia trabalhistas nem ultraortodoxos. A agenda parecia ser clara: na economia, a proposta era liberal. Yair Lapid, que prometera trabalhar pela classe média, assumiu o Ministério das Finanças, e exigiu para seu partido as pastas da Saúde e da Educação, para grandes reformas. Por outro lado, Naftali Bennet (A Casa Judaica), um milionário empresário do ramo da alta tecnologia, assumiu a pasta de Indústria e Comércio, com um discurso liberal. O Ministério do Interior saiu das mãos dos assistencialistas do Shas e foi para os liberais do Likud. Em relação ao conflito, a tendência era conservadora: todas as forças eleitas que compõem o espectro da direita estavam unidas. Tzipi Livni (HaTnua) supostamente representava o elemento de equilíbrio neste ponto, mas suas míseras seis cadeiras viraram a balança para o outro lado. As chances de acordo com os palestinos, no que dependeria de Israel, eram ínfimas. Em relação à expansão de direitos civis, o governo prometia algum avanço: Lapid condicionou sua entrada no governo à ausência dos ultra-ortodoxos, prometendo leis que promoveriam a igualdade civil. Com exceção do Likud, tradicionalmente a favor do status quo entre religião e Estado, os outros três partidos da base prometeram apoiá-lo. Parecia quase um consenso.
Como vimos, havia relativamente pouca diferença ideológica no governo. A política, no entanto, não se faz só de ideias: havia no governo uma disputa por poder que poria fim a qualquer acordo antes feito. Vejam bem a composição do governo por cadeiras: Likud (20), Yesh Atid (19), A Casa Judaica (12), Israel Nossa Casa (11) e HaTnua (6). Ao todo, 68 cadeiras. O único partido que poderia deixar a coalizão sem derrubá-la seria o último. E foi este mesmo que, na realidade, fez a maior oposição ao governo dentro do próprio governo. Mas essa oposição incomodou Netanyahu somente quando o Yesh Atid somou-se a ela. Até então, o governo não corria perigo. Em resumo, havia muito cacique para pouco índio. Todos fizeram muitas exigências a Netanyahu, que não tinha força (leia-se: número) para negá-las. O primeiro-ministro também fez suas imposições. Vejamos o que aconteceu.
A primeira crise do governo foi em relação à Lei do Orçamento. Em Israel, o orçamento deve ser aprovado pela Knesset a cada dois anos, caso contrário o governo cai. A impopular proposta de Netanyahu e Lapid visava conter a crise a partir de uma economia austera, e contava com a maioria dos votos da Knesset. O problema foi que a parlamentar Stav Shaffir (trabalhista) descobriu ilegalidades dentro da Comissão de Finanças, e obrigou, através de um processo na Suprema Corte, que a lei fosse alterada e novamente aprovada. Lapid perdeu força política neste processo que durou mais de um ano. Quando seu pacote econômico entrou em vigor, iniciou-se uma guerra com o Hamas, de dois meses de duração, que exigiu do governo um gasto inesperado. A classe média, que arca com uma carga tributária altíssima, viu os preços subirem, sem que os salários os acompanhassem. A população pobre tinha cada vez mais dificuldade de sobreviver. E os ricos, que seguiam pagando impostos proporcionalmente mais baixos do que a classe média, mantiveram-se em sua posição de conforto. A popularidade de Lapid despencou. No início de dezembro, uma pesquisa do diário Haaretz mostrava que o ministro das Finanças tinha a aprovação de 26% do eleitorado.
Em relação ao conflito, o tema é sensível: Livni discordou abertamente (e publicamente) de Bennett durante quase todo o tempo. A exceção foi a Operação Margem de Proteção, quando todo o governo parecia estar de acordo, e recebeu apoio de parte importante da oposição. Em relação às negociações, nenhum avanço. Ao contrário: retrocesso. Os palestinos conseguiram o reconhecimento do seu Estado por diversos países da Europa e da América Latina, contra a vontade do governo israelense. O governo herdou a relação turbulenta com os EUA criada pelo governo anterior. A crise diplomática se estende a outros países, e é facilmente explicável: o chanceler seguiu sendo o radical Avigdor Lieberman (Israel Nossa Casa). Bennett e seu partido são fundamentalmente contra a criação do Estado palestino. Libermann é a favor, mas seu plano prevê a transferência de cidades (e cidadãos) árabes inteiras, que hoje são parte do Estado de Israel, ao futuro Estado palestino. Netanyahu se diz a favor de um Estado palestino, mas boa parte do Likud é contra. O Yesh Atid está a favor, mas não tem projeto. E Livni diz ter projeto, supostamente era a encarregada oficial do governo nas negociações, mas na prática foi desautorizada várias vezes.
Em relação aos direitos civis, o que parecia ser simples, se tornou complexo. O Yesh Atid queria obrigar os ultraortodoxos a servir ao exército, por lei. Com exceção do Likud, todos os outros partidos pareciam estar de acordo com este ponto. O A Casa Judaica, no entanto, se posicionou de forma contrária à criação de leis civis, onde hoje só há leis religiosas, como a instituição do casamento civil. Os partidos discordaram no que diz respeito aos refugiados africanos (os partidos de direita utilizam o termo “infiltrados”). As percepções sobre democracia e Estado judeu de cada partido, durante estes dois anos, mostraram-se contraditórias. Isso sempre aconteceu, durante toda a história do Estado de Israel. A questão é que, agora, o tema era uma das bandeiras centrais de um dos principais partidos da base governista, que conseguiu deixar os ultraortodoxos de fora do governo por causa disso.
Yair Lapid e seu partido não conseguiam realizar grandes feitos, e sua popularidade caía. Não há acordo com os palestinos, não há leis civis igualitárias e não há melhoras na economia. As reformas na educação e na saúde não poderiam ser concretizadas em menos de dois anos, e resultados eleitorais exigem curto prazo. Lapid, então, decidiu lançar um projeto de lei: “Imposto Zero”. O ministro das Finanças, tentando resolver a crise da moradia, propôs retirar o imposto sobre valor agregado (hoje 18%) na compra de apartamentos por casais de até 35 anos, que tenham servido ao exército. Netanyahu se opôs, afirmando que a lei não resolveria o problema e causaria um dano terrível nos cofres públicos. A proposta gerou uma crise entre os dois, com Lapid se dizendo boicotado pelo primeiro-ministro.
Pouco depois, Likud, Israel Nossa Casa e A Casa Judaica decidiram levar em frente um novo projeto de Lei Nacional do Povo Judeu (leia aqui). Com status de lei constitucional, a aprovação dessa seria uma grande vitória política de Netanyahu (talvez a única nestes dois anos). Lapid e Livni se opuseram, aumentando a crise no governo.
Tanto a Lei do Imposto Zero quanto a Lei Nacional, opunham os dois maiores blocos da Knesset e do governo, e impediam vitórias políticas pessoais dos dois mais fortes nomes da política israelense no momento. Ao invés de entrarem em um acordo, houve um racha. Netanyahu acusou Lapid e Livni de fazerem oposição dentro do governo. Lapid e Livni acusaram Netanyahu de não cumprir acordos prévios. Netanyahu os ameaçou de demissão, caso não mudassem sua postura. Ao perceber que Lapid e Livni não se amedrontavam (mesmo com a forte queda de popularidade dos seus partidos), e visualizando uma grande derrota na Lei Nacional, o primeiro-ministro decidiu demiti-los. Netanyahu perdera a maioria na Knesset, e lhe restavam duas alternativas: ou trazia os ultra-ortodoxos para o governo (tendo, assim, 61 cadeiras e mantendo-se no poder), ou convocava eleições. Não sabemos se o convite oficial foi feito aos partidos Shas e Judaísmo da Tora, mas conhecemos sua resposta: não. O Shas condicionou sua entrada a um aumento do salário mínimo de quase 25%, algo impensável para um liberal radical como Netanyahu. E o Judaísmo da Tora já havia começado a negociar com os trabalhistas sua presença em um eventual governo após as novas eleições.
Foi à votação, então, a proposta de dissolução da Knesset, aprovada por unanimidade, e desde o dia 10 de dezembro já não há mais atividades parlamentares. As eleições foram marcadas e a campanha já começou. O dado curioso é que este terceiro governo de Netanyahu foi o único dos três no qual o primeiro-ministro era líder do partido com mais cadeiras na Knesset. Mas, ao contrário do que aconteceu em 1996 (32 cadeiras) e 2009 (27 cadeiras), suas ínfimas 20 cadeiras atuais, apesar de constituírem a maior bancada, deixavam um vácuo e um desequilíbrio que deu muito poder aos partidos que compunham a coalizão. Não serviu de nada uma oposição fragmentada, se o governo era ainda mais fracionado. O governo não caiu por diferenças ideológicas, e sim por igualdade numérica. Até a metade dos anos 1990, os dois grandes partidos do país quase sempre levavam, juntos, entre 75-80 parlamentares. Hoje, os dois maiores juntos têm 39. Serei obrigado a concordar com uma declaração de Netanyahu, quando afirmou ser impossível liderar o país com esta Knesset. Se tivéssemos, entretanto, políticos mais estadistas e menos personalistas, daqueles que conseguem convencer a população de que desejam o melhor para o Estado e não só a si mesmos, talvez alguém pudesse governar uma coalizão. Já vimos que Netanyahu não é a pessoa certa. Que venha o próximo.
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Foto de capa: Plash/90, retirado do site
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