Originalmente publicado em 29/02/2016, no Conexão Israel
A imigração judaica a Israel (aliá) teve em 2015 um crescimento de 17% em relação a 2014, chegando a 31.153 pessoas. A maior cifra em quase 15 anos torna-se ainda mais significativa quando temos em conta que o crescimento havia sido de 38% entre 2013 (19.036) e 2014 (26.311). Cada vez mais judeus buscam Israel como lar apesar dos recorrentes conflitos com os palestinos, que fizeram justamente em 2014 e 2015 o maior número de vítimas israelenses desde o fim da Segunda Intifada (2005). Curiosamente, nos piores anos da Segunda Intifada Israel também recebeu um grande número de “olim” (imigrantes judeus), o que nos faz pensar que a guerra e o terrorismo são questões secundárias quando uma pessoa toma a decisão de “fazer aliá”. Quais, então, seriam as questões motivadoras para que estes judeus emigrem a Israel? Sem uma pesquisa aprofundada, mas com base em muito achismo e experiência pessoal e profissional, oferecerei aqui uma resposta. Ou melhor, algumas respostas.
No início do século, a maioria dos olim ainda era de cidadãos das ex-repúblicas soviéticas. Estima-se que chegaram a Israel 1,1 milhão de imigrantes de diversos países, como Rússia, Ucrânia, Lituânia, Uzbequistão e outros. Por terem em comum o idioma russo, e pelo fato de que a maioria destes olim serem originários justamente da Rússia, são todos chamados por boa parte dos israelenses indiscriminadamente de “russos”. Estes olim imigraram a Israel sobretudo devido à crise econômica e ao crescimento da pobreza, gerados pelo fim da experiência socialista soviética. Isto, é claro, deve ser somado ao desejo de muitos judeus com forte identidade sionista na região tenham podido finalmente fazer aliá, o que era extremamente difícil durante a Guerra Fria. A partir de meados da década passada, o número de olim “russos” diminuiu drasticamente, derrubando também o número de olim em geral. Desde 2002 o número caía todos os anos, tendo subido pela primeira vez apenas em 2009. Desde então, sobe cada vez mais o número de olim, o que se deve a situações particulares de alguns países. Em outro artigo, já discutimos o caso brasileiro, que subiu de 280 a 496 (um crescimento de 77%) em 2015, e cria expectativas de um aumento para até mil olim para 2016. Apesar do grande crescimento, os brasileiros não são tão significativos proporcionalmente na cifra geral. Examinaremos alguns dos casos abaixo.
França
A grande estrela da aliá nos últimos anos, os franceses chegam a Israel como nunca na história. Maior comunidade judaica da Europa e terceira maior do mundo (depois de Israel e EUA), demorou até que o país do croissant contribuísse à população israelense. Vejam o crescimento: em 2012 eram 1.919. Em 2013, 3.297. Em 2014 já foram 7.238 e em 2015 chegaram a 7.795. Um crescimento de mais de 300%! Em quatro anos chegaram a Israel mais de 20 mil judeus franceses, alterando a composição populacional de cidades como Ashdod, Ashkelon e Raanana. A aliá dos franceses é motivada principalmente por duas razões: antissemitismo, cada vez mais crescente no país, e aumento dos impostos. A fim de fugir destas duas ameaças, judeus franceses preferem sirenes anunciando o risco de foguetes caírem em suas casas no sul de Israel. Eles sabem que as chances de que algo lhes aconteça efetivamente não é tão grande, comparado ao risco de agressões em Paris, por exemplo. Boa parte dos judeus franceses é religiosa tradicionalista, e muitos sentem-se inseguros apenas por caminhar com kipá (solidéu) pelas ruas francesas, o que podem fazer em Israel sem ter que ouvir comentários discriminatórios. A crise econômica também prejudicou os pequenos e médios comerciantes (profissão bastante comum entre os judeus franceses), que, para fugir da grande carga tributária no país, buscam Israel como refúgio. Não que os impostos não sejam altos no Estado judeu, mas a isenção de declaração de renda trazida do exterior para olim acaba sendo um incentivo a mais. Não se pode descartar, no entanto, a identidade sionista dos judeus franceses que, se bem não era suficiente para gerar uma onda de aliá até pouco tempo, ajuda na decisão.
Ucrânia
A Ucrânia é um clássico caso de pessoas que parecem preferir uma guerra a outra. Desde a crise com a Rússia, a aliá da Ucrânia aumentou drasticamente. A comunidade judaica no país não chega a 80 mil pessoas, e parece que rapidamente se tornará ainda menor. Em 2013 eram 2.194 olim, enquanto em 2014 eram 6.149 e em 2015, 7.586 olim. Um crescimento de quase 300% em três anos, mas bem visível a partir de 2014, quando a guerra com a Rússia iniciou-se. Além do conflito militar, que percebemos claramente como pode gerar um aumento na aliá, devemos considerar outras duas questões: o antissemitismo, sempre existente e preocupante no país, e a crise econômica que jamais deixou a Ucrânia desde a sua existência. Ucranianos não judeus também emigram a outras nações devido à situação no país, lamentavelmente semelhante à de outras ex-repúblicas soviéticas.
Rússia
O antissemitismo e a crise econômica afetaram também as vidas dos judeus russos, para os quais a guerra com a Ucrânia não parece ter surtido tanto efeito. A aliá russa, que se mantinha em constância de pouco mais de 4 mil por ano (em geral o país que mais olim tinha há 25 anos), cresceu em 2014 para 5.041 e em 2015 para 7.124. A comunidade judaica da Rússia é de mais ou menos 200 mil pessoas, mas diminui ano a ano principalmente por causa das aliot.
Casos especiais
A Venezuela teve um aumento de 66% (de 70 em 2014 a 116 em 2015). Com uma comunidade judaica de cerca de 13 mil judeus, 116 é quase 1%. Calcula-se que a razão da aliá foi a eleição de Nicolás Maduro e a crise econômica pela qual passa o país. A violência urbana também contribui, assim como no Brasil e na Colômbia, que teve um crescimento de 81% (59 em 2014 e 107 em 2015). O antissemitismo também gerou um aumento de cerca de 50% na aliá em dois outros países: Alemanha (102 em 2014 e 149 em 2015) e Turquia (59 em 2014 e 105 em 2015), além dos que a Agência Judaica classifica como países do Oriente Médio sem especificar quais seriam (105 em 2014 e 151 em 2015).
Países estáveis
Todos os outros países mantêm o número de olim dentro de uma variação de 20% para mais ou para menos. Dos EUA chegam entre 2.800 e 3.500 judeus a Israel em todos os anos, uma cifra pequena se considerarmos que a comunidade judaica no país é composta por quase 5,5 milhões de pessoas. Do Reino Unido chegam entre 600 e 750. Da Argentina, maior comunidade judaica da América do Sul com 190 mil judeus, o número de olim atualmente é menor que o do Brasil (313 em 2015, média de 300 por ano). Entre os hermanos, o número de olim foi muito alto durante a sua grande crise econômica, situando-se atrás apenas da Rússia em 2002. Aos poucos, porém, com o restabelecimento da economia do país, as aliot diminuíram. Não são muitos os argentinos hoje em dia que fazem aliá para escapar de problemas econômicos, tendo as aliot (plural de aliá) do país uma ligação muito mais com a identidade judaica do que qualquer outra coisa. Nos EUA uma das motivações é o preço dos estudos universitários, uma vez que o governo israelense banca integralmente os estudos dos jovens olim em universidades públicas, e parcialmente em faculdades privadas. O número de ortodoxos também pode ser um fator, especialmente em países como Reino Unido, Canadá e Argentina: em Israel pode-se viver uma vida judaica religiosa com mais conforto que em seus países. Explico-me: encontrar comida kasher, não trabalhar nem estudar aos sábados, e comemorar as festas (chaguim) é parte do dia-a-dia do israelense médio e nem sempre pode ser realizado com facilidade no exterior.
O desequilíbrio da balança, que nos dá ainda mais relevância às aliot de agora, é o número de judeus da Etiópia que imigram a Israel. Entre 2010 e 2013 a média era de dois mil por ano. Nos dois últimos anos os números foram de 211 (2014) e 94 (2015). A comunidade judaica da Etiópia já se transferiu para Israel quase que integralmente, por todas as razões possíveis: pobreza extrema, antissemitismo, guerra, crise econômica, religiosidade e identidade judaico-sionista. Se não contássemos os etíopes, por exemplo, o crescimento de olim de 2013 a 2014 seria de 50%. Entre as comunidades que faziam aliá em número relevante, os etíopes foram os únicos que diminuíram a sua imigração drasticamente nos últimos dois anos.
Conclusão
Crise econômica, violência urbana, guerras e antissemitismo são as principais causas de aliá atualmente, pelo menos entre os países que mais contribuem com olim. Apesar de “identidade judaico-sionista” ser um conceito muito abstrato e difícil de ser medido quando se mede as razões da aliá, este certamente não é tão determinante se não há uma combinação de fatores. Apesar de a maioria dos judeus franceses serem judeus com forte identidade sionista, somente após uma grande crise econômica e uma onda de antissemitismo esta identidade se refletiu em uma grande aliá. Certamente esta identidade (aliada às facilidades que o Estado de Israel dá aos judeus de todo o mundo) contribui para que estas pessoas decidam viver em Israel e não no Canadá, por exemplo. A opção por Israel parece ser clara para grande parte dos judeus do mundo nos últimos anos. Claro, desde que haja guerra, crise econômica e antissemitismo.
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Foto de capa: El Al Boeing 767-300ER number 4X-EAP (16/12/2017). Foto de Gerry Stegmeier.
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