Originalmente publicado em 12/05/2016, no Conexão Israel
Ontem à noite começou o feriado de Yom Haatzmaut, o Dia da Independência do Estado de Israel. O país inteiro está em festa. Hoje será feito o concurso de Tanach (Bíblia) para adolescentes, a maioria dos parques do país já é palco de churrascos, e a alegria marca o aniversário (de 68 anos) do país, como sempre. O Estado de Israel foi declarado por David Ben-Gurion, presidente da Agência Judaica, no dia cinco de Yiar (curiosamente, meu aniversário no calendário hebraico) do ano de 5708, ou 14 de maio de 1948, véspera do fim do Mandato Britânico na Palestina. O que poucas pessoas sabem é que apenas dois dias antes da declaração formal do Estado judeu, foi decidido que seu nome seria Israel. A história do surgimento deste nome é interessante, e eu vou contar um pouco para vocês como isso se sucedeu.
No aniversário de 18 anos do Estado de Israel, perguntaram a David Ben-Gurion de quem teria sido a ideia do nome “Estado de Israel”. O ex-primeiro-ministro, já residente no Kibutz Sde Boker, disse não se lembrar. Alguns estudiosos do tema acusaram Ben-Gurion de difamar Moshe Sharett, seu adversário (quase inimigo) político no Partido dos Trabalhadores Israelenses (Mapai) nesta época, quem teria sugerido o nome ainda em 1946. O jornalista Moshe Brilliant afirmou em 1949 que o autor do nome foi o próprio Ben-Gurion. Na verdade, a primeira aparição do termo “Estado de Israel” é de 1896, de alguns meses antes de Theodor Herzl publicar sua obra “O Estado Judeu”, pelo escritor Isaac Parnhof. Não há como saber, no entanto, quem influenciou a quem. A história é confusa.
Em 12 de maio de 1948, dois dias antes da famosa Declaração de Independência, reuniram-se a Moetzet Ha’am (Executivo da Agência Judaica) e a Minhelet Ha’am (gabinete do Ishuv formado às pressas para decidir sobre a Declaração de Independência), para uma tarefa de suma importância: decidir o nome do primeiro Estado judeu em 1900 anos.
No dia cinco de dezembro de 1947, seis dias após a ONU aprovar o Plano de Partilha da Palestina (no auge da euforia pela criação do Estado judeu), o jornal Maazanim publicou uma lista de nomes sugeridos para o futuro país. Surgiram aí os nomes Judá (ou Judéia), Sião, Hebraica, Eretz Israel (Terra de Israel), Sabra, Estado dos Judeus, e outros. Podemos traçar este momento como o marco do início do debate moderno sobre o nome do futuro Estado, mas que não teve a devida atenção por conta da guerra civil entre os judeus e os árabes na Palestina ainda britânica, iniciada no dia 30 de novembro do mesmo ano.
O dia 15 de março de 1948 era a data limite para a saída das forças britânicas na Palestina. A ONU já havia dado a sua aprovação à divisão da terra em dois estados, mas os países fronteiriços à Palestina (Egito, Líbano, Síria e Transjordânia) somados ao Iraque já haviam prometido guerra, caso a liderança sionista declarasse o Estado judeu. A liderança do Ishuv (pré-organização do Estado judeu na Palestina durante o período otomano e o Mandato Britânico) não sabia se teria como lutar contra cinco exércitos somados aos árabes palestinos. Por outro lado, julgava que não declarar o Estado judeu neste momento poderia adiar para sempre a oportunidade. Além disso, declarar o estado aceleraria a recepção da imigração judaica, especialmente de refugiados sobreviventes do Holocausto, e de judeus perseguidos nos países árabes. Ben-Gurion decidiu por correr o risco e declarar o Estado judeu. Mas tínhamos um problema: como se chamaria o Estado judeu?
Em 12 de maio de 1948, dois dias antes da famosa Declaração de Independência, reuniram-se a Moetzet Ha’am (Executivo da Agência Judaica) e a Minhelet Ha’am (gabinete do Ishuv formado às pressas para decidir sobre a Declaração de Independência), para uma tarefa de suma importância: decidir o nome do primeiro Estado judeu em 1900 anos.
Segundo Moshe Brilliant, o primeiro nome sugerido, e tido como natural, foi Judá (Yehudá)*. O termo Judá (ou Judeia) era adequado por ter sido o nome do último Estado judeu na história, existente desde a separação dos reinos (segundo a narrativa bíblica), por volta de 900 AEC até o fim da dinastia dos Hasmoneus, em 37 AEC (com uma interrupção de cerca de 400 anos, entre o exílio à Babilônia - 586-538 AEC) até a conquista dos Hasmoneus (140 AEC). Mesmo após as conquistas da região por babilônios, persas, helenistas e romanos, o nome da região não se alterou (até a Revolta de Bar-Kochba, em 131-135, quando os romanos passaram a chamá-la Syria-Palestina). Após longo debate, o nome foi descartado. As razões não são poucas: a primeira, geográfica. Judá representa apenas uma parcela do território da Terra de Israel (Eretz Israel), e justamente sua maior fração não seria território do futuro Estado judeu, de acordo com a Partilha da Palestina (1947). Além disso, Judá, em 722 AEC, não recebeu a todos os exilados de Israel (outro reino judaico na Idade Antiga) quando este fora atacado pelos assírios, e essa não era a mensagem que o sionismo desejava transmitir. A terceira razão foi a nomeclatura: quem nasce em Judá é… judeu (Yehuda-yehudi)! Seria impossível separar os não-judeus que nasceriam em judá dos judeus. Imaginem vocês: os árabes nascidos em Judá seriam árabes-judeus. Para piorar, os judeus nascidos fora de Judá seriam confundidos com os judeus de Judá. Nome descartado.
Outra ideia era inevitável: uma vez que o nome do movimento de ressurgimento nacional do povo judeu é conhecido como sionismo, por que não Sião (Tzion em hebraico)? Seria natural, mas após longo debate seus contras o fizeram ser descartado. Sião é referente a Jerusalém, território que não faria parte do Estado judeu de acordo com a Partilha. Além disso, quem nascesse em Sião seria, em hebraico, tzioni, ou seja, sionista. Mais uma vez geraria uma confusão com os árabes “sionistas”, e com os judeus de fora do Estado judeu, que se considerariam ideologicamente sionistas, mas não teriam esta nacionalidade… Resultado: outro nome descartado.
Então falou-se em Hebraica (Ever, em hebraico). O sionismo realizador sempre considerou seus feitos como feitos hebreus. Por ser um movimento primordialmente laico, seus membros afastaram-se da concepção “judeu” sempre que podiam. O nome “judeu” foi atrelado a todo o povo quando os babilônios invadiram Judá em 586 AEC e exilaram aos seus habitantes. Como o Reino de Israel já estava extinto, o nome do povo passou a ser “judeu”. Durante o exílio, surgiram os primeiros fundamentos da religião judaica rabínica, tal qual conhecemos hoje, como resultado da necessidade do povo viver sem o Templo Sagrado, e o termo “judeu” foi associado pela primeira vez à cultura (religião, no caso) judaica. O sionismo repudiava o judaísmo não nacional, e por isso evocava ao termo “hebreu”, que era referente, sobretudo, à língua hebraica. Tudo o que os hebreoparlantes faziam era considerado hebraico: Tel-Aviv foi a primeira cidade hebraica moderna, a Universidade Hebraica de Jerusalém, e etc. Mas o termo foi descartado novamente, por duas razões. A primeira, pela concepção de povo: os patriarcas Abraão, Isaac e Jacó eram hebreus. Os filhos de Jacó já não eram mais hebreus. Apesar de a Bíblia referir-se ao “povo hebreu”, os hebreus nunca foram um povo. Além disso, Abraão era um hebreu porque Ever era como se chamava o avô de seu avô. Esta concepção é inclusiva demais: os árabes, por exemplo, também seriam hebreus, e teriam direito à mesma terra. Opção, portanto, descartada.
Outros nomes que surgiram foi Sabra (Tzabar em hebraico), nome de uma planta típica da região, e como eram denominados os judeus nascidos na Palestina. Não pegou. Eretz Israel (que significa Terra de Israel), um conceito bíblico sobre a terra prometida a Abraão, também foi descartada por ser demasiadamente abrangente: o Estado, na prática, não abarcaria toda a região prometida a Abraão segundo nenhuma das interpretações existentes. Estado dos Judeus (Medinat HaYehudim), nome do livro de Theodor Herzl, também foi sugerido, mas foi rejeitado porque confrontaria o ideal de um Estado democrático: se o Estado é dos judeus, seria dos não-judeus também? Esta discussão se perpetua até hoje, mas, segundo Brilliant, foi a razão pela qual descartaram este nome.
Então, por fim, Ben-Gurion sugeriu “Estado de Israel” (Medinat Israel, em hebraico). O processo aí foi inverso: primeiro criticaram. O nome seria grande demais, se confundiria com Eretz Israel, e não representava o principal reino judaico na história (Judá). Aos poucos começaram a convencer-se. De certa forma, Israel dava nome àquela terra, ao menos biblicamente. Além disso, não soava tão estranho dizer “árabe-israelense”, “judeu-israelense”, e o termo não criaria incongruência com judeus de outras nacionalidades. O cidadão seria chamado de israelense, não de “estadodeisraelense”. Mas o mais relevante para a sua escolha é a origem do nome: segundo a tradição judaica bíblica, “Israel” foi o nome recebido por Jacó (Yaakov) após lutar contra um anjo. Jacó, como sabemos, é o último dos patriarcas, e de seus filhos nasceram as 12 tribos de Israel. Sua descendência é chamada de bnei Israel (filhos de Israel). Segundo a tradição judaica, todos os judeus são descendentes de alguma destas 12 tribos, e, portanto, são filhos de Israel. O Estado judeu, então, seria a casa de todos os “filhos de Israel” que desejassem viver sua vida como israelenses. O nome dá uma ideia de inclusão aos judeus da diáspora, mas não associa diretamente seus cidadãos ao judaísmo como outros nomes o fazem. E bateu-se o martelo!
David Ben-Gurion, então, no dia 14 de maio de 1948, pronunciou a seguinte frase: “Por meio desta, declaramos a criação do Estado judeu na Terra de Israel, o Estado de Israel”.
E você? Concorda com o nome dado?
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*O termo em hebraico é traduzido hoje como Judá, mas no passado foi traduzido como Judeia.
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Fontes
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Foto de capa: The Israel Internet Association via the PikiWiki - Israel free image collection project.
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