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Os judeus e o judaĆ­smo em Israel - Parte II

  • 4 de mai. de 2013
  • 6 min de leitura

Originalmente publicado em 04/05/2013, no ConexĆ£o Israel


(Se vocĆŖ nĆ£o leu a parte 1, clique aqui)


No final de 2010, o Instituto de Democracia Israelense (IID) publicou os resultados de sua pesquisa sobre religiĆ£o judaica em Israel. Os dados da investigaĆ§Ć£o estĆ£o disponĆ­veis para qualquer leitor que domine o hebraico aqui. Recolhi parte das informaƧƵes mais relevantes (no meu entender) publicadas pelo IID para responder Ć  pergunta final do meu artigo anterior: como os judeus lidam com a religiĆ£o em Israel? Sem entrar em questƵes polĆ­tico-partidĆ”rias (me parece que jĆ” explorei bastante o tema atĆ© agora), farei uma anĆ”lise pessoal dos grĆ”ficos e nĆŗmeros apresentados, sem descartar algumas generalizaƧƵes que possam parecer supĆ©rfluas. Devo advertir, nĆ£o sou especialista na Ć”rea.


ComeƧaremos com o primeiro grĆ”fico apresentado pelo IID: ou como vocĆŖ se define em relaĆ§Ć£o ao judaĆ­smo?


Percebe-se, portanto, que a grande maioria da populaĆ§Ć£o judaica israelense (78%) nĆ£o Ć© ortodoxa, e que os ultra-ortodoxos, estes que em sua maioria possuem um estilo de vida bastante distinto, nĆ£o passam de 7% da populaĆ§Ć£o. Os chamados seculares, somando-se os anti-religiĆ£o e os moderados, sĆ£o quase 50% da populaĆ§Ć£o (eram mais hĆ” pouco mais de 10 anos). A aparĆŖncia e a vestimenta nos indicam mais ou menos a que corrente o cidadĆ£o pertence, mas devido ao fato de o estudo se basear em uma autoclassificaĆ§Ć£o, podemos afirmar que as aparĆŖncias enganam. Nunca vi um ultra-ortodoxo que nĆ£o se vista de acordo com o estereĆ³tipo (homens de preto, com barbas longas e chapĆ©u; mulheres de saias longas, blusas com mangas longas cobrindo todo o corpo atĆ© o pescoƧo e um lenƧo ou uma peruca cobrindo a cabeƧa), mas certamente hĆ” gente que se veste desta forma e se considera simplesmente ā€œreligiosoā€. As classificaƧƵes bĆ”sicas sĆ£o, no entanto, necessĆ”rias para compreendermos um pouco como os israelenses encaram a religiĆ£o.


ClassificaƧƵes


Como vocĆŖ se considera?


Em geral, consideramos haredimĀ (ultraortodoxos) todos aqueles que vivem de acordo com a halachĆ”Ā (lei religiosa) de forma radical. Alvos de crĆ­ticas por parte do resto da populaĆ§Ć£o por nĆ£o contribuĆ­rem com a economia, Ć s vezes sendo chamados de parasitas, a maioria dos haredimĀ homens tĆŖm permissĆ£o especial para estudar em YeshivotĀ (academias rabĆ­nicas) ao invĆ©s de servirem ao exĆ©rcito. As mulheres sĆ£o automaticamente dispensadas. Recebem um auxĆ­lio do Estado relacionado ao nĆŗmero de filhos por casal, e sĆ£o parte da parcela mais pobre da populaĆ§Ć£o israelense. Normalmente vivem em bairros separados, de modo que a cultura secular nĆ£o os afete. Apesar de serem encontrados em quase todas as cidades do paĆ­s, sĆ£o muito numerosos em cidades como JerusalĆ©m, Safed, Bnei Brak, Beit Shemesh e em alguns assentamentos na CisjordĆ¢nia, como Modiin Ilit e Beitar e Ilit. Muitos dos homens nĆ£o trabalham por se dedicarem ao estudo da religiĆ£o, tornando a renda da famĆ­lia ainda menor e reforƧando o estereĆ³tipo. Internamente os ultraortodoxos possuem diversas ramificaƧƵes.



DatimĀ (religiosos, mas refere-se Ć  ortodoxos) sĆ£o, em geral, os que tambĆ©m levam a vida de acordo com a halachĆ”, mas de forma moderada. Respeitam o sĆ”bado, comem kasher, rezam trĆŖs vezes por dia, e etc. No entanto, diferentemente dos haredim, eles servem o exĆ©rcito, participam do mercado de trabalho como qualquer secular e se encontram em todas as cidades do paĆ­s, sendo mais numerosos nos assentamentos da CisjordĆ¢nia. Muitas vezes os homens trajam kipĆ”Ā (solidĆ©u) de crochĆŖ, e as mulheres, em geral, vestem-se de forma recatada, cobrindo a cabeƧa (apĆ³s o matrimĆ“nio), com saias longas e blusas que cobrem a maior parte do corpo. Vale ressaltar que o papel da mulher nos dois grupos Ć© muito distinto: as religiosas servem o exĆ©rcito, sĆ£o votadas Ć  Knesset e estudam nas universidades. Na sociedade ultraortodoxa isso dificilmente ocorre.

Os tradicionalistas estĆ£o em uma fronteira separada por duas linhas tĆŖnues, que os diferenciam dos seculares e dos religiosos. Considerar-se tradicionalista pode significar o desejo de distinguir-se dos seculares (ser observante de alguns preceitos religiosos) ou dos religiosos (por nĆ£o cumprir todas as leis, nĆ£o se enquadra nesta categoria). Aos olhos de outros, considerar-se x ou y pode significar ser taxado de radical ou de anti-religioso, de modo que os tradicionalistas configuram-se sendo os mais complexos de todas estas categorias. Muitos dos judeus orientais assim se consideram, sobretudo devido ao fato de que nos seus paĆ­ses de origem nĆ£o haver outras tantas correntes judaicas como na Europa e na AmĆ©rica. Tradicionalistas podem ser os que cumprem quase todos os preceitos, como os que cumprem um ou dois e acreditam em algo. Por ser uma autoclassificaĆ§Ć£o, fica mais difĆ­cil concluir qualquer coisa. Homens tradicionalistas podem usar kipĆ”Ā ou nĆ£o. Mulheres podem trajar saias longas ou nĆ£o. Tradicionalistas podem respeitar o Shabat, comer kasher,Ā ou nĆ£o. Ou podem comer kasher, mas nĆ£o exigir que o restaurante receba o selo de kashrut. DifĆ­cil dizer.


Definir secular nĆ£o Ć© tarefa difĆ­cil. SĆ£o judeus como eu, totalmente laicos, ou que possam ir Ć s vezes Ć  sinagoga, comemorar festas, fazer uma reza de Shabat, mas nĆ£o se considerarem nem religiosos nem guardiƵes das tradiƧƵes. Em geral, judeus reformistas e conservadores, em Israel, na falta de opƧƵes (como na pesquisa do IID) tendem a considerarem-se seculares. E alguns destes sĆ£o anti-religiĆ£o. Outros, nĆ£o.

Quando perguntados se concordam ou nĆ£o com a implementaĆ§Ć£o do casamento civil, em 2009, 54% dos israelenses reagiram positivamente. O nĆŗmero me assustou, pois num paĆ­s onde 78% da populaĆ§Ć£o nĆ£o se considera religiosa, ser a favor da separaĆ§Ć£o entre a religiĆ£o e o Estado me parecia uma postura lĆ³gica. Perguntados sobre a importĆ¢ncia da manutenĆ§Ć£o de determinados rituais/prĆ”ticas religiosas, os israelenses assim responderam:



O que podemos concluir deste grĆ”fico? Minha primeira impressĆ£o Ć© a de que, mesmo para os judeus seculares, determinadas prĆ”ticas religiosas sĆ£o muito importantes para as suas vidas. Provavelmente isto tem relaĆ§Ć£o com a sua identidade judaica ou com o seu israelismo. Cada um tem a sua explicaĆ§Ć£o, mas me deixa impressionado que 90% dos entrevistados considerem o enterro religioso tĆ£o importante assim.


Aqui jĆ” se percebe uma mudanƧa significativa. Mais de 50% dos israelenses desejam que haja opƧƵes de lazer durante o sĆ”bado, mas para eles nem todos tĆŖm o mesmo peso. O dado torna-se mais curioso quando temos em conta que sĆ³ 29% dos israelenses fazem atividades de lazer ou refeiƧƵes fora de casa. 84% declararam que se encontram com suas famĆ­lias neste dia, mostrando a importĆ¢ncia simbĆ³lica do Shabat. AlĆ©m disso, 60% fazem o kidush (reza de entrada do Shabat) e 66% acendem as velas de Shabat. Por outro lado, apesar da proibiĆ§Ć£o religiosa Ć  utilizaĆ§Ć£o de produtos movidos a base de energia elĆ©trica ou gasolina, 52% admitem que acessam Ć  internet e 65% assistem televisĆ£o.


Em relaĆ§Ć£o Ć s festas, assim consideravam os judeus israelenses importante ou muito importante em 2009:

Novamente nos deparamos com mais de 80% (85%) dos judeus israelenses dando importĆ¢ncia a prĆ”ticas associadas Ć  religiĆ£o. Ɖ evidente que comemorar Pessach (PĆ”scoa judaica) nĆ£o necessariamente Ć© uma atitude religiosa. Muitas famĆ­lias sequer rezam em suas comemoraƧƵes, e enquanto 90% dĆ£o importĆ¢ncia a esta festa, ā€œsĆ³ā€ 67% deixam de comer fermento durante o perĆ­odo (como diz a religiĆ£o). Percebemos, tambĆ©m, que nem todas as festas tĆŖm a mesma importĆ¢ncia para os israelenses. Shavuot, por exemplo, nĆ£o Ć© comemorado de forma religiosa por 80% da populaĆ§Ć£o judaica do paĆ­s. Purim tampouco Ć© levado a sĆ©rio neste sentido, mas, por outro lado, Ć© comemorado de forma secular pelas ruas de todo o paĆ­s. Israelenses se fantasiam e consomem grandes quantidades de Ć”lcool durante esta festividade, mas qualquer semelhanƧa com o carnaval (que jĆ” foi uma festividade religiosa) Ć© mera coincidĆŖncia.


Em relaĆ§Ć£o Ć  kashrutĀ (lei alimentĆ­cia), a postura dos judeus israelenses Ć© ainda mais controversa. Vejam o que eles responderam:

Voltamos ao princĆ­pio: mesmo que 46% dos judeus considere-se secular, 76% dos entrevistados responderam que ou sempre ou em geral comem kasher em casa. Fora de casa, no entanto, hĆ” uma pequena diferenƧa: 30% admitem que nĆ£o o fazem.


CrenƧas do povo

Ao serem perguntados, confirmaram os israelenses que acreditam muito ou se creem hesitando um pouco:


O que podemos concluir alĆ©m do Ć³bvio crescimento da religiĆ£o entre as novas geraƧƵes? 20% da populaĆ§Ć£o ateia Ć©, de fato, um nĆŗmero altĆ­ssimo. Vale lembrar que no Brasil, segundo o Ćŗltimo censo, menos de 800 mil se declararam ateus/agnĆ³sticos, Isso significa menos que 0,4% da populaĆ§Ć£o. Os outros nĆŗmeros, no entanto, nos apontam uma populaĆ§Ć£o que, ao passo que leve uma vida secular em sua maioria, Ć© imbuĆ­da por crenƧas religiosas deveras significativas, como, por exemplo, na vinda do Messias. Algumas destas crenƧas podem, no entanto, ser re-interpretadas e re-significadas, tornando-se uma influĆŖncia moral judaica num comportamento secular.


Minha rasa conclusĆ£o a partir destes nĆŗmeros Ć© a de que, por mais que boa parte dos israelenses nĆ£o se considere efetivamente religioso, o judaĆ­smo Ć© parte integrante da mentalidade coletiva em geral. Acreditar ser o povo escolhido por Deus, por exemplo, Ć© compartilhado por quase todos os que acreditam no todo poderoso. Uma crenƧa como esta estĆ” repleta de significado simbĆ³lico, direitos e deveres especiais. Como cada um constrĆ³i a sua identidade judaica a partir disso, tomando em conta que estĆ” dentro do Ćŗnico paĆ­s de maioria judaica no mundo, isto jĆ” Ć© tema para outro artigo. E tambĆ©m para outro autor, pois eu nĆ£o me arrisco a isso.


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Foto de capa: Nofy Dadush via the PikiWiki - Israel free image collection project

Foto da escola ortodoxa retirada do site da prefeitura de Afula: https://www.afula.muni.il/he/449/



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