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Os judeus e o judaísmo em Israel - Parte I



Originalmente publicado em 16/03/2013, no Conexão Israel


Israel é o único país do mundo em que a maioria da população é composta por judeus. Segundo a Agência Central de Estatística de Israel, em 2010 a população israelense era de 7.695.100 habitantes. Destes, 77% se diziam judeus (20,5% são árabes, grupo social sobre o qual pretendo escrever em outra oportunidade), mas nem todos são religiosos. Para ser mais exato, quase a metade da população judaica israelense se considera secular. As distintas formas de religiosidade e identidade judaica são numerosas, tornando impossível uma análise curta sem que se generalize minimamente algumas categorias. O Instituto Israelense de Democracia (IID), principal organização que pesquisa o tema, trabalha com cinco categorias religiosas, além de outras étnicas, cada vez mais abrangentes e discutíveis. Neste artigo eu pretendo me ater a algumas classificações religiosas, além de como se comporta cada grupo, levando em consideração a generalização feita pelo IID, e sua influência na sociedade. Antes de começar, no entanto, esclarecerei determinadas categorias para que o leitor menos familiarizado com termos judaicos possa compreender o texto mais facilmente.


Ocidentais e Orientais

A título de introdução, explicarei categorias étnico-geográficas que poucos se relacionarão com o decorrer deste texto. O objetivo é que a parte II deste artigo seja ilustrada por tais definições.


Entende-se por ashkenazita (que significa alemão, no dialeto idiche) um judeu oriundo da Europa. As ondas de imigração judaica durante a Idade Média fizeram com que os judeus alemães chegassem à Europa Oriental, região que concentrou a maior parte dos judeus europeus desde o século XVI até a Segunda Guerra Mundial. O termo é um tanto quanto abrangente, tendo em vista que há diversas subcategorias dentre os ashkenazitas, constituindo estereótipos e divisões que já foram maiores outrora. A grande maioria dos pioneiros do movimento sionista, que colonizaram a Palestina desde fins do século XIX, era de origem europeia (principalmente russa, polonesa, romena e alemã). Chamam-se mizrachi (orientais, em hebraico) judeus originais de países de maioria muçulmana, sejam do norte da África (Marrocos e Tunísia, por exemplo), da Península Arábica (Iraque e Iêmen) ou de países não árabes (Turquia ou Irã). Também se usa o termo "sefaradita" (espanhol, em hebraico) para se referir a esta corrente, como "judeus saídos da Espanha". O termo, porém, não é preciso, pois há correntes judaicas que jamais estiveram na Espanha e que não são ashkenazitas (como a maioria dos judeus iraquianos, por exemplo), e judeus sefaraditas europeus (sobretudo nos Balcãs). Com exceção dos iemenitas (uma das comunidades judaicas mais antigas da diáspora) e de uma pequena parte dos iraquianos, a imensa maioria dos judeus orientais chegou à Palestina somente após a criação do Estado de Israel (1948), por diversos fatores. Ao chegar, portanto, a estrutura político-social do Estado de Israel já havia sido criada pelos ashkenazitas nos moldes ocidentais, de modo que os orientais, pouco civilizados, aos olhos dos pioneiros sionistas, foram obrigados a se adaptar ao padrão ashkenazita.


Os judeus de origem ashkenazita têm como característica, em relação à religião, a proximidade com os extremos: a grande maioria dos judeus que se declaram laicos ou ultra-ortodoxos (chamados de charedim, que significa tementes) são de origem ashkenazita. Isto, no entanto, não significa que a maioria dos ashkenazitas seja extremista, mas sim que a maioria dos extremistas seja ashkenazita. Por outro lado, os orientais caracterizam-se por serem moderadamente religiosos, definidos pelo IID como tradicionais. São judeus observantes, mas, em menor número,ortodoxos. Isso, naturalmente, se deve à relação que cada comunidade judaica tinha com a sociedade em seus países de origem. Muitos dos orientais, ao chegarem a Israel, sequer conheciam os conceitos de "judaísmo secular" e "ultra-ortodoxo". Estas concepções antagônicas surgiram após a Revolução Francesa (1789), quando o judeu pôde finalmente adquirir o status de cidadão, trazendo às comunidades judaicas o dilema de ser "judeu em casa e cidadão na rua" e renunciar ao estilo de vida puramente judaico do shtetl. A haskalá terminou por ramificar o judaísmo em diversas correntes, entre elas o judaísmo laico, o reformismo, o conservadorismo, e gerar a reação dos mais religiosos, refugiando-se na ortodoxia e na ultra-ortodoxia. Os orientais, por sua vez, se encontravam em sociedades cujos paradigmas eram distintos. As sociedades muçulmanas (perdão pelo generalismo) nem integravam os judeus transformando-os em cidadãos plenos, nem os forçava a viver reclusos em guetos. Por isso, desenvolveu-se um judaísmo moderado, com pouca influência de ideologias ocidentais.


Em Israel, não se pode falar sobre correntes judaicas e negligenciar as origens geográficas de cada segmento religioso. Compreender de fato cada ramificação do judaísmo é uma tarefa ingrata, e impossível caso não se conheça a história do povo judeu. Parto do princípio, portanto, que o leitor já esteja familiarizado com alguns dos processos pelos quais os judeus passaram ao longo dos anos, para que compreenda a análise a ser feita sobre a religião judaica em Israel hoje.


O Status Quo de Ben-Gurion

(Leia o documento original aqui)


Antes mesmo da Partilha da Palestina (1947), David Ben-Gurion, então presidente da Agência Judaica, firmou um acordo com o partido ultra-ortodoxo Agudat Israel, denominado status quo secular-religioso. Os religiosos, compreendendo que seriam minoria em um eventual futuro Estado judeu, reconheceram o caráter laico do Estado, mas negociaram a permanência de determinadas “questões vitais”, vigentes desde o Império Otomano, para que a Terra de Israel não fosse dessacralizada. Foram cinco as exigências dos ultraortodoxos, que nessa época representavam cerca de 1% da população judaica: controle sobre o Shabat (o sábado), kashrut, (leis alimentares), leis familiares, educação pública judaica e sobre a definição de quem é judeu. Ben-Gurion concordou com todas, mas interviu nas duas últimas: a educação pública seria diferida em categorias (secular, ortodoxa e ultra-ortodoxa); o critério “quem é judeu” seria definido pela a halachá, (lei religiosa, que afirma que judeu é quem é filho de mãe judia ou convertido à religião judaica), mas a imigração para o Estado de Israel obedeceria a outro juízo: filhos, netos e cônjuges de judeus teriam direito à cidadania. Isto aconteceu em 19 de julho de 1947, e se mantém até os dias de hoje da seguinte forma


  1. Shabat: O sábado, além das grandes festividades (Rosh HaShana, Yom Kipur e Simchá Torá) e festas de peregrinação Pessach (Páscoa Judaica), Shavuot (Tabernáculo), Sucot (Pentecostes) foram definidos como dias de descanso. Em 1967, foi dado às administrações municipais o poder de regular a abertura de determinados estabelecimentos nestas datas. Ainda assim, estão sujeitas a multas empresas que empreguem judeus nessas datas.

  2. Kashrut: ponto bastante controverso, o status legal da kashrut já foi modificado em algumas ocasiões. Atualmente as leis alimentícias se expressam da seguinte forma: sem o certificado do Ministério de Assuntos Religiosos (abaixo) é proibido declarar um estabelecimento kasher; em Pessach são multados os estabelecimentos que expuserem fermento; as cozinhas e refeitórios das bases militares do Exército de Defesa de Israel (FDI), tais quais as porções recebidas pelos militares, devem ser 100% kasher e fiscalizada por um rabino oficial da instituição.

  3. Em 1951 foi estabelecido o Ministério de Assuntos Religiosos, que, entre outras funções, cobre 40% do déficit nos orçamentos aprovados para auxílio a instituições e políticas públicas religiosas.  Há também as Cortes Rabínicas, que detém a exclusividade da legislação sobre matrimônios, enterros e outros “assuntos pessoais”. Leis comerciais podem ser julgadas por cortes rabínicas, caso todos os envolvidos assim desejem. Israel, também, tem dois Rabinos-Chefes com mandatos de dez anos: um ashkenazita e um sefaradita.

  4. Os ensino fundamental e médio, em Israel, são divididos em quatro tipos de escola: judaica laica, judaica ortodoxa, judaica ultra-ortodoxa e árabe. Nas três primeiras o ensino de história judaica e Tanach (Bíblia) são obrigatórios. Nos segundo e terceiro tipos, fica a critério de cada escola decidir se haverá o ensino de disciplinas extras como Talmud, além de determinar se os alunos homens e mulheres serão separados ou não. As disciplinas básicas, como matemática, geografia, hebraico, ciências, inglês e etc. são obrigatórias para todos.

  5. É considerado judeu pelo Estado de Israel quem é filho de mãe judia ou convertido de segundo as normas ortodoxas ao judaísmo, por correntes reconhecidas pelo rabinato israelense. O curioso é que, convertidos ao judaísmo por sinagogas não ortodoxas (das correntes reformista ou conservadora) podem adquirir cidadania israelense através da Lei do Retorno, mas ao chegar em Israel não são considerados judeus. Isto influi diretamente no que diz respeito às leis familiares: um convertido ao judaísmo por reformistas não tem o direito de se casar em Israel, ou de ser enterrado em um cemitério judaico.


Algumas destas normas sofreram alterações desde 1947, porém a essência do “projeto” permanece a mesma. Algumas alterações progressistas ocorreram, como o reconhecimento do casamento civil realizado no exterior ou a permissão do comércio da carne não kasher. Outras leis aprovadas direcionaram o Estado a um caminho ortodoxo, como a liberação do exército de estudantes de academias ortodoxas, ou a proibição de mulheres portarem objetos religiosos no Muro das Lamentações, contestada por judeus liberais. Apesar de a Declaração de Independência do Estado (1948) optar por não definir absolutamente nada sobre o caráter judaico do Estado, ainda há uma discussão de grande relevância sobre o tema. Israel, afinal, deve ser um Estado judeu ou um Estado para todos os judeus? Estas duas qualificações são contraditórias ou não?


Questões a serem resolvidas


O autor que vos escreve acredita que o caráter democrático do Estado é afetado toda vez que a religião se sobrepõe aos direitos civis universais. Isto, é claro, se dá porque toda vez que a lei religiosa é aplicada, esta se dá de acordo com a visão ortodoxa, que na maioria das vezes não dá espaço para o diálogo nem para a tolerância, à começar por rejeitar as outras correntes. O Status Quo, no entanto, não é necessariamente nocivo à democracia. Partindo do ponto que Israel é o único Estado de maioria judaica do planeta, não me causa insatisfação que a disciplinas judaicas, como história do povo judeu ou Tanach, sejam aplicadas nas escolas públicas judaicas, ou que o governo seja o responsável por emitir o selo de kashrut, por exemplo. Segundo o rabino Moshe Bergman, o objetivo inicial do controle sobre a kashrut era que esta fosse fornecida pelo Estado a preço de custo, de modo que todos os judeus pudessem consumir alimentos kasher sem pagar mais por isso. A desconfiança de parte dos rabinos e as leis de mercado, no entanto, criaram uma série de novos selos, mais ou menos valiosos de acordo com a interpretação de cada um, o que fez com que o selo do Estado caísse em desuso. E lá se foi uma boa influência que os ortodoxos tinham sobre o Estado.


Na parte II deste artigo, você entenderá o que pensa a população israelense sobre questões envolvendo a religião e o Estado. Clique aqui.

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