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O primeiro-ministro que dá entrevistas


Originalmente publicado em 01/02/2022, no Conexão Israel

              

Na sexta-feira foram publicadas entrevistas do primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett (Yamina), com veículos da mídia escrita (impressa e digital) Numa tacada só, ele deu entrevista a todos os principais veículos de informação. Eu li duas delas.

Antes de tudo, uma explicação: Bennett já deu mais entrevistas à mídia televisiva que Netanyahu nos últimos 7 anos como primeiro-ministro, com exceção do período pré-eleitoral. Na mídia impressa/digital, Netanyahu simplesmente não dava entrevistas.

Em Israel, a sexta-feira é para a mídia impressa como o domingo no Brasil: o jornal é maior, mais caro, com reportagens especiais. Ele, então, na quinta-feira, convocou os principais jornais e deu entrevistas a todos para que fossem publicadas na sexta. Todo mundo leu.

Eu apurei que ele deu entrevistas para os jornais de maior circulação - Israel HaYom (direita pró-Netanyahu), Yediot Achronot e site Ynet (anti-Netanyahu, não necessariamente de esquerda), Maariv (centro-esquerda), para o portal Walla (mainstream, o maior do pais), para o jornalão de esquerda Haaretz, o mais intelectualizado, e para o veículo da direita militante (em especial ortodoxa) Makor Rishon. Eu só li estes últimos. Eu assino o Haaretz digital, e fui ao Makor Rishon por ser justamente o oposto do Haaretz.


Bennett também deu entrevista ao Jerusalem Post, jornal de direita publicado somente em inglês. Para quem quiser ler, o Haaretz também divulgou a entrevista em inglês. O mais importante é que foi um marco: todo mundo pode ler o que pensa Bennett.


Como eu disse, escolhi somente dois veículos para ler. Vou chamar atenção para alguns trechos que valem o destaque.


Para todos os veículos (se vê pela manchete), Bennett disse que daria a entrevista agora e não dentro de duas semanas. Isso foi uma cutucada em Netanyahu, pois o ex-primeiro-ministro sempre aparecia na mídia (quando aparecia) depois da onda de Corona ir embora. Bennett quis mostrar coragem, e poder dizer que enfrentou as perguntas difíceis na hora em que era questionado, para depois dizer: eu disse.


Ao ser questionado pelo jornalista Hagay Segal, do Makor Rishon, sobre os encontros de membros do governo com o presidente da Autoridade Palestina Abu Mazen, ele disse: "nós somos um governo de união, com um lado de esquerda e outro de direita, e combinamos um statuos-quo na questão dos palestinos. Se eu me encontraria pessoalmente com Abu Mazen, um homem que quer levar os nossos soldados para Haia e transfere dinheiro para terroristas? Não. Vou impedir Lapid ou Gantz, que são esquerdistas no fim das contas, de fazer isso? Enquanto eles não entrarem na esfera política, não os impedirei. Para mim, isso não é o fim do mundo."


Sobre o governo de união, disse: "Acho que acabamos de salvar o Estado de Israel de uma guerra civil. Não tenho outra palavra. Estávamos a milímetros de chegar às quintas, sextas e sétimas eleições e uma terrível cisão no povo". Bennett citou (ao Haaretz) as cisões históricas do povo judeu no passado longínquo, que resultaram no fim da soberania judaica na Terra de Israel, para justificar sua decisão de formar esse governo. Yossi Verter, jornalista do Haaretz que o entrevistou, classificou sua colocação como "quase messiânica, mas com algo de verdade".


No Makor Rishon ele foi questionado se ainda é um homem de direita, formando governo com um partido árabe-islâmico, com a esquerda sionista e jogando para a oposição a maioria da direita. Bennett conhece os leitores do site, e aproveitou a deixa para criticar o ex-aliado e atual líder do partido Sionismo Religioso, Betzalel Smotrich, com quem ele hoje disputa votos e que o ataca incessantemente. Bennett teve a chance de respondê-lo:

"Não acho certo entrar no rádio e atacar a ex-presidente da Suprema Corte uma hora depois da sua morte. Este 'smotrichismo' não é de direita nem sionista religioso. De qualquer forma, acho que é um ato inapropriado roubar a expressão 'sionismo religioso' aqui, porque posso dizer a você que um monte de gente que conheço apenas baixa a cabeça e fica envergonhada quando ouve essas expressões. Fomos criados nesse smotrichismo? Era isso que queria rabino Kook? (...) Cresci em um movimento muito nacionalista, participei de manifestações anti-desconexão (de Gaza), me machucou, meus pais se manifestaram contra Oslo, mas nunca tivemos a linha de cancelar alguém com uma opinião diferente, de maneira tão feia. Há aqui uma máquina bem oleada, tanto de bots quanto de tal e tal emissora, falando de uma forma realmente chocante, uma máquina de veneno e um fake inconcebível."


Ao Haaretz, Bennett foi questionado se colonos judeus também podem ser terroristas. A pergunta pode parecer ridícula, mas Smotrich e Itamar Ben-Gvir, do partido Sionismo Religioso, dizem que não. Bennett não hesitou, e marcou posição: disse que os atos são o que definem o terrorista, não a nacionalidade.


A parte mais interessante, para mim, foi quando Bennett contou ao Haaretz sobre a conversa que teve com Netanyahu quando este detinha o mandato para formar o governo:

"Sentamos aqui nessa sala, ali na ponta. Quando ele compreendeu que eu não pretendia permitir que ele levasse Israel para as quintas eleições (seguidas), ele me ameaçou totalmente. 'Escuta', ele me disse, 'se eu entendi corretamente o que você vai fazer, saiba que eu vou mover contra você toda a minha máquina, o meu exército. Ele me apontou o braço (...). 'Eu vou jogar os meus drones em você e nós vamos ver'." (Netanyahu se recusou a reagir ao depoimento, mas também não o negou.) Verter perguntou se Bennett o "exército" Bibi era o Tzahal. Bennett disse: "Não. Ele falou sobre o exército de bots, as equipes, seu pessoal no rádio, na televisão e nas redes".


Verter questionou Bennett sobre a indisposição com o ministro da Segurança Pública, o trabalhista Omer Bar-Lev, e o vice-ministro da Indústria e Comércio, o general da reserva Yair Golan (Meretz), sobre comentários feitos sobre a violência dos colonos: "Você se irritou com (...) Bar-Lev por falar sobre "violência dos colonos", (...), e também com Yair Golan, que classificou os colonos Chumash, que se revoltaram à noite e vandalizaram monumentos, como 'subumanos'. Tudo o que vimos desde então, na aldeia de Burka e Hawara, prova que eles foram precisos. Eles não generalizaram para todos os colonos. Talvez o termo não seja sub-humano, mas certamente um humano selvagem."


Bennett, mesmo em um jornal de esquerda, respondeu:"Não, não. Eles generalizaram sim, ok? Especialmente o Yair Golan. Eu não quero que cada extremo fique contra o outro, e o mais fácil é culpar o outro extremo. A esmagadora maioria dos colonos são pessoas normativas e cumpridoras da lei. Toda a violência daquelas pessoas é desprezível, deve-se agir contra ela com todas as forças."


Bennett mostra que não esqueceu os ataques feitos por Yair Golan durante a campanha (o chamou de fascista), e que não vai contemporizar para ajudá-lo. E não quer perder sua base entre os colonos.


Entre outras coisas, Bennett disse não querer ver Netanyahu preso, nem como político, nem como cidadão israelense. Aprova o acordo com a Justiça, mas avisa que o governo não cai no dia seguinte à sua saída da política. E também disse que, no dia que Netanyahu sair, ele tentará ampliar a coalizão, seja com o Likud, ou com outros partidos.


Sobre a Corona, ele insistiu que sua política é a mais correta, e que os resultados mostrarão. Diz que Israel dará um exemplo para o mundo sobre como enfrentar a Corona sem parar o país.


Disse muito mais que isso, foi questionado sobre muito mais. Se saiu razoavelmente bem, mas foi colocado muitas vezes em posições desconfortáveis: teve que reafirmar e explicar porque segue sendo de direita, teve que defender os colonos, mas criticar a violência. Teve de justificar medidas de ministros e deputados da coalizão e do governo com as quais não compactua... Vai ser difícil para Bennett jogar na defensiva por muito mais tempo, ele precisa de um sucesso para chamar de seu, e aposta todas as suas fichas no combate ao Corona. Porque se é difícil imaginar Bennett voltando a ocupar a cadeira de primeiro-ministro no futuro, é ainda mais complicado imaginar que ele será lembrado como um grande estadista, ao invés de um breve e oportunista sujeito de uma jogada política cujos fins foram totalmente pessoais. Consultemos nosso oráculo.

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