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O primeiro-ministro de kipá

Originalmente publicado em 31/05/2021, no Conexão Israel


Naftali Bennett é o 13º primeiro-ministro da história de Israel, com uma bancada de 5% do parlamento. Quem é ele, afinal?


De onde veio?

Bennett nasceu em Haifa, ao norte de Israel, de uma família de judeus seculares, de esquerda liberal (no conceito norte-americano). Seus pais, descendentes de poloneses, viviam em São Francisco, eram membros de uma comunidade judaica reformista e atuavam em causas pró-direitos humanos, seguindo o estereótipo clássico das famílias judias da cidade. Antes de Naftali nascer, a família fez aliá e passou a viver em Israel. Naftali, o mais jovem dos três irmãos, foi mandado a uma creche pertencente à organização ultra-ortodoxa Chabad, e, a partir desta experiência toda, a sua família tornou-se ortodoxa (embora tenham optado pela ortodoxia moderna). Aos quatro anos, Bennett passou dois anos em Montreal por questões profissionais de seu pai, onde foi alfabetizado em inglês. Hoje, Bennett fala inglês fluentemente, sem sotaque israelense (voltaremos a esta questão).


Com a passagem da família à ortodoxia, paulatinamente a família foi se aproximando da direita sionista. Bennett participou do movimento Bnei Akiva, estudou em yeshivot (academias rabínicas) e tinha como um de seus heróis Yonathan (Yoni) Netanyahu, capitão do exército de Israel, da unidade especial Matkal, que obedece às ordens diretamente do Ramatkal (Chefe do Estado Maior das Forças Armadas). Yoni, irmão de Benjamin (Bibi) Netanyahu, foi morto na famosa Operação Entebbe, em 1977. Naftali decidiu que queria ser oficial do exército e membro do Matkal, e conseguiu ser aceito neste grupo de elite. Ascendeu até a patente de major, quando deixou as forças armadas, em 1996. Durante o início do serviço militar, Bennett tirou a kipá da cabeça, dando mostras de que pensava em viver uma vida secular, mas voltou a usá-la após o assassinato de Rabin, segundo ele mesmo, um marco na formação de sua identidade. Bennett disse ter sido alvo de ataques de apoiadores da esquerda sionista somente por usar uma kipá, tendo sido ofendido nas ruas e atacado de diversas formas, mesmo quando usava o uniforme de soldado.


Vida profissional

Após deixar o exército, Bennett estudou administração de empresas e direito na Universidade Hebraica de Jerusalém. Em 1999 se casou com Guilat, judia secular, com quem hoje tem quatro filhos (o mais velho se chama Yonathan, em homenagem a Yoni Netanyahu). Nesta época Israel vivia o boom das empresas de alta tecnologia, e Bennett começou a trabalhar com Garantia de Qualidade (QA). Em 1999 abriu uma empresa de startup na área de Segurança de Informação (SI) chamada Cyota, da qual foi CEO e transferido para Nova Iorque, onde viveu por cinco anos. Em 2005 vendeu sua empresa por 145 milhões de dólares à multinacional alemã RCA, da qual passou a ser gerente de divisão. Em 2006, em ocasião da Segunda Guerra do Líbano, Bennett retornou a Israel para servir como reservista. Ainda teve cargos importantes em outras empresas de alta tecnologia, mas a guerra mudou um pouco sua perspectiva.


Em 2006, Bennett serviu no Líbano como subcomandante de divisão, e terminou o confronto com muitas críticas às políticas de Estado. Bennett buscou passar sua avaliação a uma série de pessoas importantes, tanto nas forças armadas, quanto na política, mas não teve sucesso. Ele, então, foi um dos líderes de protestos de reservistas, um movimento do qual Benjamin Netanyahu, então líder da oposição, se apropriou politicamente para atacar o governo. A Segunda Guerra do Líbano  sofreu muitas críticas públicas, tendo sido decisiva para as quedas do ministro da Defesa Amir Peretz, do Ramatkal Dan Chalutz, além de ter derrubado a popularidade do primeiro-ministro Ehud Olmert. A hoje deputada Ayelet Shaked atuava como chefe do escritório do líder da oposição, e percebeu em Bennett um grande potencial para chefiar o gabinete de Netanyahu, para quem trabalhava. Os dois se reuniram, e Shaked se impressionou com Bennett. Após a reunião, Bennett foi entrevistado por Netanyahu e sua esposa, Sara, que também tiveram impressões muito positivas. Apesar de brilhante, Bennett parecia não ter ambições eleitorais (portanto, não ameaçava Netanyahu). Além disso, entre ele e Netanyahu haviam semelhanças surpreendentes: ambos haviam servido como oficiais do Matkal, haviam passado parte de suas vidas nos EUA e falam inglês fluentemente, têm facilidade de comunicação, têm estudos relacionados à administração e experiência na área de negócios. E os dois reverenciavam Yoni, o irmão mais velho de Bibi. Bennett foi contratado.


Ingresso na política

Bennett e Shaked formaram uma boa dupla, ambos muito carismáticos. Tanto Bennett quanto Shaked, engenheira de computação, abriram mão de altos salários para trabalhar para Netanyahu. A relação entre os dois e Bibi durou dois anos, e não terminou bem. Bennett criou conflitos com membros do Likud, que o consideravam prepotente. Era acusado de querer dar soluções empresariais para questões políticas, tinha propostas trabalhadas como projetos quase que matemáticos para questões de um alto nível de complexidade humana. Além disso, Bennett percebia que seu carisma o colocava em uma posição de liderança, o que incomodava Netanyahu. Mas as relações só se romperam quando Bennett e Shaked pediram a Netanyahu um aumento salarial, que foi atendido às escondidas de Sara. Netanyahu não tinha orçamento do seu gabinete para dar este aumento, e lhes pagou do próprio bolso. Quando sua esposa descobriu, a relação se deteriorou, e todas as fontes próximas ao casal Netanyahu atestam que Sara até hoje é hostil com a dupla.


Bennett, então, foi traçar seu próprio caminho. Em janeiro de 2010, Bennett assumiu o cargo de presidente do Conselho de Judéia e Samaria, o lobby pró-colonização da Cisjordânia. Bennett representava politicamente os colonos justamente no momento em que Netanyahu havia voltado a ser primeiro-ministro, e em que Barack Obama, então presidente dos EUA, pressionava Israel para congelar a construção de novos assentamentos e a expansão dos já existentes. Bennett tratou de se posicionar à direita de Netanyahu, causando incômodo ao primeiro-ministro. Com grande talento para a publicidade, Bennett aproveitou as manifestações sociais de 2011 e armou uma barraca do Conselho de Judéia e Samária em plena Tel-Aviv, incorporando-se a um movimento de massas apartidário. Como se não fosse suficiente, criou junto a Ayelet Shaked o movimento de diplomacia pública Israel Sheli (Minha Israel), que se encarregava de fazer relações públicas (propaganda) positivas de Israel para o exterior, ao mesmo tempo em que fazia um movimento agressivo de perseguição e boicote a quem destoasse da linha de pensamento da direita sionista: o movimento atacou e incitou contra um sem número de intelectuais e artistas israelenses, alguns árabes, outros judeus, funcionando como um movimento macarthista moderno - versão israelense. Bennett construía seu público na extrema-direita, tentando conquistar eleitores mais radicais do Likud e do Israel Nossa Casa. Junto a Ayelet Shaked, criaram o partido “Os Israelenses”, que não disputou as eleições de 2013 porque Bennett mudou de ideia.


Líder do partido

O tradicional partido sionista-religioso Mafdal passava por uma forte crise. Já havia mudado de nome para A Casa Judaica, mas via seu eleitorado se fragmentar por vários partidos, sobretudo da direita e da extrema-direita em Israel. Bennett decidiu disputar o espaço, trazendo a questão do conflito e da colonização da Cisjordânia para o centro do debate do partido. Bennett venceu as primárias contra Zvulum Orlev, tradicional membro do movimento. Sua proposta era transformar o partido setorial em um partido amplo, que seria a casa de toda a direita sionista. A presença de Ayelet Shaked, judia secular de Tel-Aviv, como número 3 da lista dava mostras dessa intenção. Agregou ao seu partido os ultra-nacionalistas do União Nacional, que mesclavam os movimentos de colonos mais agressivos com segmentos kahanistas, e disputou as eleições de 2013 com o lema “Paramos de pedir desculpas”. Bennett também iniciou uma campanha pela anexação dos territórios C da Cisjordânia, que representam 60% do território e são onde vivem todos os colonos judeus e cerca de 100 mil palestinos. As propostas de Bennett flertavam com a extrema-direita, e o seu discurso era bastante agressivo. Mas dava resultados. A Casa Judaica chegou a aparecer com 18 cadeiras nas pesquisas, mas acabou um pouco desidratado na reta final. No entanto, alcançou um grande feito: terminou o pleito com 12 cadeiras, 10% do eleitorado. A maior marca do seu partido desde os anos 1970. Bennett se firmava como um dos nomes mais importantes e mais promissores da política israelense.


As rusgas com o casal Netanyahu não haviam sido resolvidas, e Bennett percebia que Bibi não lhe daria oportunidades de crescer facilmente. Se pudesse, Netanyahu o deixaria de fora da coalizão, como fez com o próprio União Nacional em 2009. Bennett, então, fechou um acordo com Yair Lapid, cujo partido representava a segunda força da Knesset com 19 cadeiras. Os dois, que somavam 31 cadeiras, disseram a Netanyahu que só entrariam no governo juntos, e com suas exigências atendidas. Netanyahu não tinha como formar o governo sem estes dois partidos. Tentou de todas as maneiras convencer o Partido Trabalhista a ingressar, mas sua líder, Shely Yachimovich, se recusou. Lapid exigia que os partidos ultra-ortodoxos ficassem de fora, para que ele pudesse fazer algumas reformas que julgava necessárias. Bennett não tinha nada contra os partidos ultra-ortodoxos, mas sabia que suas demandas seriam melhor aceitas em um pacto com Lapid. Netanyahu não teve escolha a não ser atender às exigências dos dois. Bennett recebeu dois ministérios: o da Indústria e Comércio e o das Religiões. De tendência liberal, Bennett foi mais uma peça na engrenagem da política econômica de Netanyahu, mas não teve grande destaque por sua atuação como ministro. Bennett também usou sua presença no gabinete para aprender sobre a política de dentro, além de acumular conhecimento sobre administração pública. Mas seu principal ganho foi usar seu papel de destaque para apresentar-se como uma alternativa política a Netanyahu, mesmo sem que a oposição fosse velada. Bennett é ortodoxo, porém é mais liberal que a maioria dos religiosos. Vem de uma família secular, sua esposa é secular. Representou os colonos, mas vive em Raanana, na região metropolitana de Tel-Aviv. Fazia um discurso à direita de Netanyahu, a partir do qual o cobrava por não fazer um governo mais expansionista, mas ao mesmo tempo estava entre os mais à esquerda dentro do seu partido. Bennett fazia as vezes de radical-moderado, esperando o momento para dar o bote.


O governo, no entanto, durou pouco. Netanyahu dissolveu a Knesset em 2014, convocando eleições para 2015. Houve, contudo, uma guerra com o Hamas no meio do caminho (a Operação Margem Protetora, em 2014), e uma forte crise social. Bennett foi uma voz feroz a favor de uma guerra de grandes proporções com o Hamas. Membros de seu partido clamavam por vingança contra os sequestradores dos três adolescentes no bloco de assentamentos de Gush Etzion. Cada hesitação de Netanyahu era um motivo para que Bennett exigisse força ao governo. A guerra durou 54 dias, e Bennett exigia que ela continuasse. Após o confronto, Bennett se lançou como candidato ao Ministério da Defesa, o mais prestigiado de todos os cargos públicos depois, obviamente, do de primeiro-ministro. Seu resultado nas eleições de 2015 lhe credenciariam - ou não - a este posto.


A disputa apertada entre Netanyahu e o trabalhista Isaac “Buji” Herzog fez com que os eleitores de Bennett fizessem voto útil ao Likud de Netanyahu. Bibi também não facilitou. Atacou Bennett durante toda a campanha, tentando roubar seus votos para que pudesse manter uma margem para o segundo lugar. A Casa Judaica, que aparecia com entre 12 e 14 cadeiras, terminou com apenas 8. Bennett mesmo admitiu que não teria como exigir a pasta da Defesa com estes números. Mas já nas negociações para a formação do governo, Bennett deu o troco. Esperou que Netanyahu fechasse o acordo de coalizão com todos os outros partidos e deixou suas exigências: queria a pasta da Educação para si, e a da Justiça para Ayelet Shaked. Eram duas pastas do primeiro escalão, Netanyahu não tinha a intenção de dá-las a Bennett. Além disso, conta-se que Sara Netanyahu havia imposto um veto a que Shaked recebesse qualquer ministério. Bennett, então, deixou de negociar. Esperou o tempo passar e, ao chegar no último dia, desligou seu telefone. Ele sabia que Netanyahu procuraria todas as referências possíveis de Bennett (rabinos importantes, correligionários, etc) para pressioná-lo a aceitar receber algo menor. Bennett permaneceu insuscetível à pressão, e Netanyahu, a muito contragosto, teve de ceder.


Este fato, ainda que tenha representado uma vitória de Bennett, o desgastou com seu partido. Bennett era visto como muito prepotente, estrela que gosta de brilhar sozinho, e que atuava em benefício ao seu projeto pessoal, e não do sionismo-religioso. Cada vez mais a distância entre Bennett e a sua base aumentava. Bennett tentou agradá-los, inserindo no sistema educacional secular público uma série de referências religiosas, bandeira antiga do movimento, mas sua relação com o partido estava chegando ao fim. Bennett e Shaked foram dois dos ministros com mais destaque no governo. Bennett criou uma série de projetos novos, incentivou financeiramente atividades dos movimentos juvenis (sem distinguir por viés ideológico), entre outras coisas. Ele também era ministro da Diáspora, cargo através do qual apresentou-se como referência a comunidades judaicas no exterior. Mas quem brilhou, realmente, foi Ayelet Shaked: a ministra iniciou uma série de reformas no sistema judiciário, que iam desde a escolha de juízes (quebrando a autonomia - ou monopólio - do Poder Judiciário para tal tarefa), até tentativas de limitação do poder dos juízes, em especial da Suprema Corte de Justiça. Estas políticas são populares entre grande parte do eleitorado de direita, descontente com as consequentes intervenções do Judiciário, sobretudo limitando ações de colonos que agem por conta própria nos territórios ocupados.


Tentando voos maiores - e quedas maiores ainda

Neste contexto, em dezembro de 2018, Bennett e Shaked decidiram sair do A Casa Judaica e criar o partido “Nova Direita”, o sonho antigo de ambos. Seria um partido formado por laicos e ortodoxos, de direita em relação à economia e ao conflito, e que se colocava como alternativa a substituir Netanyahu. Os dois, de fato, teriam preferido comandar o Likud, porém sabiam que não havia como disputar espaço com Bibi (e Sara). O caminho seria formar seu partido e esperar que, a médio prazo, pudessem consolidar sua liderança e herdar os votos de Netanyahu. Entretanto, a grande polarização entre Netanyahu e Gantz, candidato da centro-esquerda, fez com que o voto útil fosse uma arma usada tanto no campo da direita quanto no da centro-esquerda. O Nova Direita, liderado por Bennett, que teria que disputar eleitores da direita sionista com o Likud, com o Israel Nossa Casa e com o A Casa Judaica, não passou a cláusula de barreira. Netanyahu massacrou Bennett e Shaked na campanha política, tentando roubar cada um dos seus eleitores. E conseguiu derrubá-los: o Nova Direita ficou a 0,1% da cláusula de barreira, e, assim, desperdiçaram votos caros ao próprio Netanyahu. No início, parecia que Bennett e Shaked davam adeus à vida política e retornariam ao mercado da alta tecnologia. Seria o fim do sonho de liderar o país. No entanto, a impossibilidade de Netanyahu formar a coalizão os trouxe de volta ao jogo.


Netanyahu não conseguiu formar uma coalizão, e, no meio do caminho, passou a ser réu na Justiça. Ao invés de massacrar Bennett, Netanyahu trabalhou para que Bennett e Shaked se juntassem novamente ao seu antigo partido nas próximas eleições, e assim foi criado o Yamina (À Direita). Deixou de trabalhar contra eles, inclusive lhes deu apoio. Mais humilde, Bennett cedeu a liderança do partido a Ayelet Shaked, vista como mais popular naquele momento. O partido passou a cláusula de barreira, mas com poucas cadeiras, e Bibi novamente não conseguiu formar o governo. Gantz tampouco, e lá fomos todos outra vez a novas eleições. Bibi, desta vez, decidiu dar a Bennett o cargo de ministro da Defesa de forma interina entre uma eleição e outra, o qual este exerceu por cerca de seis meses. Bennett se agarrou à oportunidade e trabalhou como nunca (ou como sempre?). Também usou seu cargo para fazer propaganda interna e externa. Quando a crise do Coronavírus teve início, Bennett preparou as forças armadas para atuar como o principal corpo governamental no combate ao vírus: a FDI tem médicos, paramédicos, equipamento e estrutura para fazer exames em massa, internar pacientes e cuidar da defesa civil. Apresentou sua proposta a Netanyahu, que praticamente a ignorou.


A reviravolta

Após as eleições de 2020, nas quais Netanyahu e Gantz assinaram o acordo de união, Bennett sentiu-se preterido e ficou de fora do governo. Netanyahu acusa Bennett de optar por ficar de fora, enquanto Bennett diz que Netanyahu o quis na oposição. O fato é que Bennett foi o político que melhor trouxe o contraponto à crise causada pelo Coronavírus, tanto na esfera da saúde pública, quanto no que afetava a economia. O governo foi um grande fracasso. A economia ia de mal a pior, e Bennett acusava Netanyahu e Gantz de nunca haver administrado uma empresa e não saber o que fazer nestes momentos de crise. As medidas adotadas pelo governo em relação à saúde eram atabalhoadas, e Bennett surfou nessa onda, mostrando seu projeto quando ministro da Defesa. Ele possuía as respostas para a crise da saúde pública, era um grande orador e debatedor, e apareceu como o único oposicionista que dava fight a Netanyahu. Chegou a aparecer com 22 cadeiras contra 26 do Likud, e declarou que, desta vez, seria candidato a primeiro-ministro. Havia se cansado de ser auxiliar de Netanyahu. Mas a ascensão de Bennett veio cedo demais. Como membros do Likud gostam de dizer, Bennett é forte nas pesquisas e fraco nas urnas. O aparecimento do partido de direita anti-Netanyahu Nova Esperança, a separação dos partidos ortodoxos que compunham o Yamina e a formação do partido Sionismo Religioso, e, principalmente, os ataques que Netanyahu fazia incessantemente a Bennett, novamente o enfraqueceram. É claro que a vacinação em massa também contribuiu para que Netanyahu recuperasse votos que Bennett lhe havia roubado devido às críticas à má gestão da pandemia, Bennett perdia seu argumento principal. A recuperação econômica também era questão de tempo. Bennett, desesperado, tentou chamar a atenção para outras pautas, como o descaso do governo com os crimes cometidos por gangues beduínas no sul. Bennett flertava com o radicalismo de outrora, seu discurso tinha componentes clássicos de racismo. Ele também atacava o entendimento de Bibi com o partido árabe-islâmico Ra’am. No auge de seu desespero, e de forma bastante infantil, Bennett convocou um pronunciamento público e apresentou um documento, a qual intimava Netanyahu a assiná-lo. No documento, Bennett se comprometia a não formar um governo chefiado por Yair Lapid - e nem sequer por rotação - e instava Netanyahu a assinar que não formaria um governo com o Ra’am. Bennett virou meme nas redes sociais, por, na semana das eleições, fazer um papel ridículo.


Bennett terminou o pleito com míseras sete cadeiras, um péssimo resultado para quem quer ter apoio para ser primeiro-ministro. Por outro lado, ele passara a ser peça-chave para qualquer governo que almejasse emergir. Não haveria governo sem Bennett e seu partido, e ele entendeu a situação perfeitamente. Não indicou nem Netanyahu nem Yair Lapid para formar o governo, indicou a si mesmo. Soou ridículo, mas foi uma jogada inteligente: Bennett se manteve no jogo, seguiu colocando-se como candidato ao cargo mais importante do país. Quando Netanyahu recebeu o mandato para formar o governo, Bennett disse que faria parte do mesmo, já que Israel não podia se dar o luxo de ir a outras eleições. Quando Netanyahu não conseguiu formar o governo, Bennett anunciou que era o momento de abrir mão de certos valores pelo futuro do Estado de Israel, que precisava de um governo estável, sem eleições a curto prazo. Explodiu uma guerra com o Hamas e uma quase guerra civil (leia mais aqui), o que fez com que Bennett recuasse e desse fim às negociações com este “governo de mudança”. Yair Lapid, dono de 17 cadeiras, acenava a Bennett com uma rotação no cargo de primeiro-ministro, na qual Bennett começaria governando. Além disso, os partidos de esquerda cederiam em uma série de demandas para que Bennett se somasse ao governo, para que a era Netanyahu tivesse fim. Mas veio a pressão interna, e Bennett titubeou. A cada segundo que passava, mais pressão havia sobre seus correligionários. Um deles, Amichai Shikli, foi a público e disse que não votaria em um governo que incluísse partidos de esquerda e árabes. Bennett seguia hesitando, seus eleitores, potenciais eleitores e ex-eleitores se irritavam cada vez mais. Aylet Shaked, sua fiel escudeira, chegou a dizer que não faria parte deste governo de mudança. Até que, finalmente, ele tomou a (tardia) decisão de ser o 13º primeiro-ministro de Israel, algo que raríssimos políticos recusariam, e foi a público neste domingo, 30 de maio, dizer isso ao povo. O acordo de coalizão ainda não está assinado, mas tudo indica que será.


Chegou seu momento?

Naftali Bennett poderá romper vários tabus de uma só vez: o primeiro ortodoxo a assumir o cargo de primeiro-ministro; o primeiro chefe de governo com 5% do eleitorado; o primeiro governo formado com a presença de um partido árabe não sionista. Cada um destes fatores representa uma dificuldade a mais para este governo. Ter recebido os votos de 5,81% dos eleitores diminui a sua legitimidade frente a outros partidos maiores e com mais apoio. Ser um judeu ortodoxo o coloca numa situação inusitada, uma vez que esta corrente representa cerca de 14% da população judaica do país (contra 10% dos ultra-ortodoxos e 76% dos seculares e tradicionalistas. E ter a presença de um partido árabe na coalizão, justamente quando o primeiro-ministro rejeita a criação de um Estado palestino de forma absoluta, e já foi, inclusive, o representante dos colonos nos territórios ocupados, é algo impensável até um mês atrás. Já nos bastaria o fato de que este governo terá que se entender entre partidos de direita, centro e esquerda. O Ra’am é um componente ainda mais interessante, que nos faz duvidar ainda mais sobre a capacidade de governabilidade, especialmente quando Bennett estiver à frente do governo.


Naftali Bennett é um sujeito que se destaca pela sua inteligência, iniciativa e produtividade. Bennett não é nem nunca foi um sujeito medíocre. É também carismático e tem senso de liderança. Por outro lado, é, muitas vezes, prepotente e isso lhe causa dificuldade de relações interpessoais. Bennett também tem comportamentos infantis e intempestivos, que comprometem sua posição. E tem uma infeliz tendência ao extremismo, poucas vezes controlada e muitas vezes maquiada por um discurso adequado ao momento. Ou talvez seja o contrário: Bennett talvez use ocasionalmente um discurso radical, quando é conveniente do ponto de vista eleitoral, mas no fundo é mais moderado que aparenta ser. Em ambos os casos, lhe falta, no mínimo, maturidade. Que Bennett possa crescer neste aspecto, porque, aparentemente, é com ele que teremos que lidar nos próximos dois anos.

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