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O fim da diáspora


Originalmente publicado em 24/10/2013, no Conexão Israel 


O futuro do judaísmo será o Estado de Israel. Eu não hesito em afirmar que não haverá judeus fora daqui a um horizonte visível. Se hoje existe um Estado judeu, um Estado de judeus ou um Estado de maioria judaica, pouco importa: o fato é que o Estado de Israel é o único país no mundo onde o crescimento vegetativo de judeus não diminui ano a ano, fora alguns pequenos casos insignificantes de comunidades abastecidas por imigrações sazonais. Este futuro é óbvio e, salvo uma revolução no mundo judaico, é também muito previsível. Só não vê quem não quer.


Por que eu digo isto? Em primeiro lugar, esta não é simplesmente a minha opinião: é uma previsão baseada em números demográficos e processo histórico do povo judeu. Os números da Agência Judaica apontam que a população judaica no mundo cresceu em torno de 5% (de 13,3 a 13,8 milhões) nos últimos 10 anos. A Agência de Estatística de Israel mostra que, o número de judeus no país em 2002 era de 4,9 milhões. Em 2013 já são 6,04 milhões, ou seja, um aumento de mais de 10% em 11 anos. Percebemos, então, que a população judaica em Israel cresceu em 1,14 milhão de pessoas, enquanto a mundial cresceu em 0,5 milhão. Conclusão: a população judaica da diáspora diminuiu em mais de 600 mil pessoas em 10 anos.


Isso te surpreende? A mim, sinceramente, não. Já escuto estas previsões há uns 10 anos, não me soa nem um pouco estranho. Via com meus próprios olhos isto acontecer através de um processo gradual conhecido popularmente pela comunidade judaica como “assimilação”. Este está longe de ser um fenômeno de pequenas comunidades: nos EUA, o número de judeus em 2002 era de 5,75 milhões. Hoje é de 5,425 milhões. Nem mesmo os judeus ultraortodoxos escapam desta onda no país que concentra a metrópole com mais judeus no mundo, Nova Iorque. Na França, terceira maior comunidade judaica do planeta, a queda foi de 520 mil para 480 mil judeus. Reino Unido, Canadá, Rússia, África do Sul, Argentina, Austrália e outros também registraram quedas. Em 1945, logo após o Holocausto a população judaica era de 0,06% da população mundial. Hoje é de 0,02%, o que mostra igualmente que a população judaica não acompanha o ritmo de crescimento mundial. O Ministério da Absorção de Israel mostra números igualmente alarmantes: mais de 150 mil de judeus se assimilam todos os anos. E, por fim, uma pesquisa sobre o judaísmo nos EUA divulgada em 2013 pelo diário Haaretz mostra que 1/3 dos judeus no país montam árvores de Natal e 58% se casaram com não judeus. Os números podem ser alarmantes para alguns, previsíveis para outros e apocalípticos para quem desconhece a história dos judeus na diáspora pós-Revolução Francesa. Eu me encaixo no segundo grupo. Até a Revolução Francesa, o judaísmo nunca foi simplesmente uma religião. O conceito de laico não existia até meados do século XVIII. Podemos afirmar com quase 100% de precisão que todos os habitantes do planeta eram pessoas religiosas. As filosofias de vida laicas compunham um fenômeno contemporâneo, desconhecido até então. Os judeus, em especial, minoria em todas as regiões do globo, eram mais um povo com uma religião. Se mudar de religião significava mudar de povo, para os judeus, na prática, isto era ainda mais relevante: o povo judeu não possuía o mesmo status da maioria em nenhum lugar do mundo. Só com o advento da cidadania, do Estado laico e da igualdade civil os judeus puderam, paulatinamente, ser reconhecidos como cidadãos e possuir os mesmos direitos que os outros. Este movimento, iniciado durante a Revolução Francesa, criou uma crise nas comunidades judaicas na Europa: enquanto parte preferia manter seu judaísmo, outra parte estava disposta a abrir mão do mesmo em prol da cidadania. Neste momento surge a haskalá, ou “iluminismo judaico”, concebido por um grupo de filósofos (dos quais o mais eloquente era Moises Mendelsohn) teorizando sobre a possibilidade de existência de um judaísmo puramente religioso, que pudesse ser compatível com a cidadania. “Judeu em casa e cidadão na rua” era seu lema. Este momento histórico possibilitou a criação das mais diversas correntes judaicas, como o reformismo, o conservadorismo, a ortodoxia e o judaísmo secular. Podemos dizer que todos nós somos filhos deste momento. A chamada emancipação não resolveu a questão judaica: a cidadania não foi concedida em todo o mundo, principalmente onde os judeus se encontravam mais concentrados. E mesmo onde os judeus passaram a gozar de plenos direitos, o antissemitismo persistiu deixando marcas, fosse pelas mãos de civis, fosse pelas próprias mãos do Estado (como no Caso Dreyfus e no Holocausto). O sionismo surgiu para responder a esta problemática: judeus que não desejam se assimilar e desejam ser cidadãos livres em todos os sentidos. O Estado de Israel já existe há 68 anos. O antissemitismo ainda não deixou de existir, mas já se configura como um fenômeno bem menos relevante do que era na primeira metade do século XX na grande maioria dos países onde se encontram judeus. A imigração a Israel também diminuiu, sobretudo na medida em que os judeus que estavam em perigo utilizaram de seu direito de retorno em massa durante os primeiros 50 anos do Estado. A maioria dos judeus da diáspora não corre mais perigo de vida por serem judeus. Já o judaísmo em seus países corre sério risco de desaparecimento, e isto pouco tem a ver com o antissemitismo.


O caminho proposto por Moises Mendelsohn e pelos outros maskilim (Pensadores da Haskalá) tem-se mostrado um fracasso. A mentalidade “judeu em casa e cidadão na rua” funciona para poucas gerações. A diminuição do número de judeus no mundo é um reflexo da incongruência desta teoria: o judaísmo como religião pode ser aplicado de forma individual, mas a continuidade do judaísmo como cultura e como povo não é compatível com um simples conjunto de práticas religiosas a serem executadas em casa e na sinagoga. A assimilação, se já não oferece mais cidadania, vem ganhando do judaísmo de goleada por um simples motivo: faz mais sentido assimilar-se a ser judeu na diáspora. É muito difícil construir uma vida essencialmente judaica fora de Israel, e os que se esforçam para isso muitas vezes o fazem por vontade própria de manter a tradição, pois esta luta não os premia materialmente: ao contrário, pode custar muito caro. Em resumo, manter-se judeu por força da tradição é uma luta conservadora, e, como todos os movimentos conservadores, a luta contra a assimilação tende a ser vencida pela correnteza aos poucos. É como o filho de um torcedor do América-RJ, que pode manter-se torcedor por respeito ao seu pai, mas dificilmente conseguirá o mesmo de seus descendentes. A perda de interesse pelo judaísmo é um fenômeno triste, embora natural. E, sobretudo quando há casamentos mistos, e a influência da sociedade se soma à da metade da família, a assimilação torna-se iminente.


Não escrevo este texto para criticar os casamentos mistos (eu mesmo sou filho de um) e muito menos para criticar os que definem como objetivo pessoal ou profissional a luta contra a assimilação. Sei que há centenas de excelentes profissionais que ajudam a retardar este processo natural no Brasil e outras dezenas de milhares em toda a diáspora. Eu, no entanto, discordo desta luta e destes métodos.


O único lugar onde a assimilação não ocorre naturalmente é Israel. Aqui, tanto para um judeu ortodoxo quanto para um judeu laico, o fluxo da vida judaica é visível no seu dia-a-dia. Encontrar comida kasher é mais fácil do que o contrário. Reunir-se com a família no Shabat (sábado) é tão parte do cotidiano quanto o almoço de domingo no Brasil. A televisão te lembra de que as festas estão por chegar através de programas humorísticos, propagandas comerciais e dos telejornais. O futuro do povo judeu é discutido por intelectuais diariamente nos círculos acadêmicos e governamentais, e exposto ao público pelos partidos políticos em época de eleições (não só quando há conflito). O judaísmo invade a sua vida por osmose, seja ele religioso ou laico. É evidente que eu discordo da coerção ortodoxa no que se refere ao seu desejo de guiar meu dia-a-dia, e nem todas as influências judaicas são positivas no Estado de Israel. Mas é impossível negar que aqui tais influências existem, e impedem qualquer tipo de assimilação.


Não sei dizer exatamente se a preocupação com o futuro do povo judeu foi o grande motivo da minha aliá (imigração). E nem tenho como objetivo convencer a ninguém que faça o mesmo. Meu objetivo é simplesmente mostrar a minha opinião, o que tentei fazer por meio deste texto: atualmente só em Israel se assegura a continuidade do povo judeu. O fim da diáspora judaica está próximo. Quem viver verá.

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Foto de capa: Hebrew Wikipedia. Uploaded by user: בית השלום.


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