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O discurso mais polêmico do ano


Originalmente publicado em 15/06/2016, no Conexão Israel            


Um discurso surpreendeu o país há dois meses. Em um ato oficial do Dia do Holocausto e do Heroísmo, o vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Yair Golan, compartilhou com o público uma análise sobre a sociedade israelense (veja no final do texto). Entre outras coisas não menos importantes, Golan afirmou ver em Israel um processo semelhante ao que aconteceu na Alemanha antes da chegada dos nazistas ao poder, legitimando este tipo de discurso. Dizer isso em voz alta, em pleno Dia do Holocausto e do Heroísmo, em um ato oficial, incomodou muita gente.


O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (Likud) foi um dos principais críticos ao discurso, afirmando ser contrário a qualquer comparação de processos históricos com o Holocausto, um evento único. Eu, pessoalmente, até concordo com este ponto. O problema é que o próprio Netanyahu usa o Holocausto como argumento de sua retórica, comparando a processos ocorrentes em outros países (como o Irã) com frequência. Cara de pau não tem tamanho. A ministra da Justiça, Ayelet Shaked (A Casa Judaica), foi outra que afirmou que Golan está "confuso", mas que "não pode falar de outros assuntos no Dia do Holocauso, apenas sobre Holocausto". A "dona" da memória decide como quer aplicá-la.


Mas a pior das críticas feita pelo ministro da Educação Naftali Bennett (A Casa Judaica), que estava presente no mesmo evento, onde, inclusive, discursou. Bennett acusa Golan de induzir-nos a comparar os soldados do Exército de Defesa de Israel (Tzahal) com os nazistas. Talvez tenha ido embora antes, pois se esta foi a conclusão tirada do discurso, ele certamente não o escutou até o fim. Ou que tenha usado de seu velho (e mau) hábito de fazer-se de ignorante, quando não quer que o governo no qual faz parte não tenha que lidar com questões fundamentais da sociedade israelense, e desta maneira possa culpar o outro (leia: os árabes) pelas nossas mazelas. Ainda por cima teve a audácia de acusar o general de “dar armas aos revisionistas do Holocausto”. Bennett talvez tenha "se esquecido" de criticar a Netanyahu quando o mesmo atribuiu ao Mufti de Jerusalém um papel de destaque na Solução Final, de forma propositalmente equivocada e por puro interesse político.


Golan teve que responder às críticas: disse que jamais quis comparar o Tzahal com os nazistas, e que, para ele, o Tzahal é o exército mais ético do mundo. Todos os que escutaram (ou leram) seu discurso sabem disso. O governo, por covardia, tenta distorcer suas palavras para não ter que lidar com o problema real na sociedade israelense: o avanço do racismo, do macartismo e da intolerância, tudo isso impune, e sem combate por parte do governo, para não perder parte de sua base eleitoral. Mas o general também recebeu apoio de parte do corpo político, diga-se. Outra parte, silenciou-se.


O leitor pode tirar suas dúvidas e ler o discurso de Yair Golan, que toca em muitos pontos além da comparação tão polêmica.


Estimados sobreviventes, ministro da Educação senhor Naftali Bennett, general da reserva senhor Doron Almog, presidente do Massuah (Instituto Internacional de Estudos do Holocausto) senhor Itzhak Kashti, respeitável público.
Em abril de 2015 visitei a sede do Exército dos EUA na Europa. No caminho entre o aeroporto de Frankfurt (onde aterrisei) a Stuttgart - vizinha à base militar - passei pelo pequeno povoado de Gaukönigshofen, povoado onde nasceu minha avó, e onde meu pai viveu sua infância. Este é um povoado único, e nele se encontra um museu sobre a antiga comunidade judaica que ali vivia. Entrei na sinagoga do povoado - que hoje é vizinha do museu - e me deparei com uma foto, na qual se via a minha família que foi exterminada no Holocausto. Me emocionei muito, e recorri o museu por uma longa hora. Na saída fui solicitado a escrever no livro de visitantes, e o fiz duas vezes: na primeira vez escrevi uma página minha, e na segunda acrescentei palavras às do meu pai - que descanse em paz -, em sua visita em 2001 ao museu. Gostaria de ler para vocês o que eu escrevi a meu pai: “Pai querido! 14 anos depois eu venho aqui, como vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas do Exército de Defesa de Israel a honrar sua vida e as de todos os nossos familiares, que foram cruelmente assassinados pelos nazistas e seus aliados. Eu sei que você dedicou a sua vida a criar e a construir, e jamais permitiu que meus sentimentos me cegassem e exigissem vingança. Amorosamente e com imenso valor”, e assinei embaixo. E com esta mensagem, de criação e construção, estou aqui e escrevi as seguintes palavras.
O Holocausto, a meus olhos, nos devem levar à reflexão sobre a responsabilidade do ser humano, até mesmo quando este ser humano somos nós mesmos. Nos deve levar a uma imensa e profunda reflexão sobre a responsabilidade de liderar, sobre a qualidade da sociedade, e deve levar-nos a um pensamento básico, sobre como nós - aqui e agora - já maduros, órfãos e viúvas, nos parecemos com eles. O Holocausto nos deve levar a pensar sobre a nossa vida pública, e ainda mais, deve gerar em todos os que puderem - e não só nos que quiserem - a responsabilidade pública. Pois se há algo que me preocupa em relação à memória do Holocausto, é identificar que os processos que despertam o horror que houve na Europa em geral, e na Alemanha em específico, há 70, 80 e 90 anos, possuem evidências similares aqui, hoje, em 2016.
Não há coisa mais fácil que odiar o estrangeiro. Não há nada mais fácil e simples que despertar medo e ocasionar pânico. Não há nada mais fácil e simples que a brutalidade, de ir conforme a corrente, e de hipocrisia.
No Dia do Holocausto é nossa função debater sobre nosso poder em mudar entre nossos próximos os sinais de intolerância, de violência, de destruição pessoal, de deterioração da moral. Na realidade o Dia do Holocausto é uma oportunidade de introspecção. Se Yom Kipur é um dia de introspecção individual, então é visível que o Dia do Holocausto seja um dia de introspecção nacional, e tal qual, deve incluir fenômenos inquietantes e de serenidade. Há algumas semanas, foi discutida publicamente a questão da “pureza da arma” episódio em que um soldado teria matado um terrorista que já estava imobilizado), e eu gostaria de falar algumas palavras sobre esta questão.

A forma irregular do uso da arma e violação ao princípio de “pureza da arma”, aconteceram no Exército de Defesa de Israel (Tzahal) desde a sua fundação. O nosso orgulho do Tzahal hoje e sempre emana do nosso poder de investigar os casos difíceis, de forma imparcial, de investigar comportamentos problemáticos de modo corajoso, e de optar por uma responsabilidade completa sobre o bem, mas também sobre o mal, e sobre o inadequado. Não nos desculpamos. Não acobertamos. Sequer piscamos o olho para este tipo de coisa, e não fazemos arranjos. Nossa maneira foi e sempre será por meio da condução responsável, mesmo que a verdade seja difícil e a responsabilidade pesada. Nós acreditamos muito na justiça do nosso método, porém nem tudo o que nós fazemos está certo. Nós confiamos no nível de ética do Tzahal como organização, no entanto, não negligenciamos sobre as irregularidades cometidas individualmente. Nós exigimos de nossos soldados exatamente o que exigimos de nós mesmos, e sustentamos isso, que o exemplo pessoal será a segunda natureza de todo comandante.
No Dia do Holocausto, dia em que nos unimos e recordamos os seis milhões dos nossos que foram massacrados na Europa, é nossa obrigação recordar estes seis milhões e outro meio milhão, que vivem aqui, e perguntar-nos qual é o propósito da nossa volta à esta terra, o que é correto sacralizar e o que não, o que é correto elevar ao status de milagre e o que não, e principalmente, como servir ao nosso propósito de ser uma “luz entre as nações” e uma sociedade exemplar. Apenas este tipo de memória tem o poder de constituir um monumento vivo entre nosso povo, um monumento digno, um monumento à verdade. Como disse o profeta Isaías, “Os vivos, só os vivos é que podem te louvar”. Devemos viver uma vida digna em memória das vítimas e para o bem das próximas gerações. Agradecendo a todas as bençãos que nos foram concedidas, e que tivemos êxito em conservá-las, vamos lutar até o fim, se necessário, contra qualquer opressor e inimigo, protegendo o nosso direito de construir e nosso dever de fazer o que é certo.

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Comentários dos políticos aqui: http://news.walla.co.il/item/2958589


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