Originalmente publicado en 11/12/2013
Não é segredo para ninguém que há pelo menos 13 anos Israel é governado pelas direitas. A verdade é que desde 1977 as esquerdas israelenses formaram o governo por cinco míseros anos, e mais outros seis em união com o Likud. Alvo de ataques de militantes de esquerda em todo o mundo, acusado de braço do imperialismo no Oriente Médio e diretamente associado aos EUA, e, consequentemente, ao capitalismo internacional, vale aqui dizer que nem sempre o campo majoritário do sionismo (e o governo israelense, por consequência) assim se posicionou. Na verdade, até os anos 1970 o que ocorreu foi justamente o contrário: o sionismo era dominado por socialistas, e parte deles, inclusive, se posicionavam pró-URSS durante a guerra fria. Segundo dois historiadores, no entanto, 1949 foi um ano chave para a guinada de Israel para o lado capitalista, período que antecede tanto as influências soviética e norte-americana no conflito árabe-israelense, como a chegada dos revisionistas ao poder. Mas por que em 1949? O que aconteceu justamente neste ano? Em janeiro de 1949, logo após o último cessar-fogo da Guerra de 1948, foram marcadas as primeiras eleições do recém-fundado Estado de Israel. As eleições, ao contrário do que se pensa, não tinham como objetivo formar a primeira Knesset (parlamento), mas sim formar uma Assembleia Constituinte. O que de fato aconteceu foi que, até 1951, quando outras eleições legislativas ocorreram, a base eleita para formar a Assembleia Constituinte funcionou como poder legislativo, formou o governo, e decidiu autodeclarar-se como a Primeira Knesset. E teve uma importância singular, pois, na condição parlamentarista de Israel, o poder legislativo tem grande influência sobre o executivo. E baseado nos resultados destas eleições, David Ben-Gurion formou o primeiro governo eleito de forma democrática do Estado de Israel, como Primeiro Ministro. E, segundo concluiu 40 anos depois o professor Elkana Margalit [1], a sociedade israelense poderia ter uma cara totalmente diferente caso o partido Mapam[2] fizesse parte da coalizão governista em 1949.
O historiador Zeev Tzachor[3] sobre as negociações fracassadas entre Ben-Gurion, que na época era líder do partido Mapai[4], com o Mapam, e chega a conclusões interessantes sobre as consequências deste não entendimento na cultura política e no país como um todo.
Tzachor afirma que a memória coletiva sustentada hoje é de que o Mapam não fez parte da coalizão por ser pró-soviético, enquanto o Mapai propunha uma postura neutra na guerra fria. Políticos do Mapam, por sua vez, acusaram Ben-Gurion de boicotá-los em detrimento da coligação religiosa, por receio de que outro partido de massas pudesse pôr fim na hegemonia trabalhista. Tzachor defende outra ideia, e sobre ela discorreremos um pouco, até que cheguemos na sua conclusão.
O autor vai à origem dos partidos sionistas socialistas, e afirma que suas bandeiras eram semelhantes: vanguarda revolucionária e sionismo. O Mapai, fundado em 1930 como uma fusão dos partidos Achdut HaAvoda e HaPoel HaTzair, já havia tentado incorporar o movimento HaShomer HaTzair aos seus quadros em 1931, sem sucesso. Em 1944, pouco antes das eleições da Organização Sionista Mundia, o movimento HaKibutz HaMeiuchad e um grupo de insatisfeitos decidem se separar do Mapai, re-criando o Achdut HaAvoda. Pouco depois, junto ao HaShomer HaTzair, decidem permanecer de fora da coalizão governista do Mapai. E em janeiro de 1948 os dois aliam-se ao partido Poalei Tzion Smol e criam o Mapam, apresentando-se como uma alternativa ao poder.
Três semanas após o fim da Guerra de 1948 são marcadas as eleições. O autor descreve a campanha e o favoritismo de três partidos: O Mapai, que contava com Ben-Gurion como referência e outros anos de experiência no comando da Organização Sionista; o Mapam, que apresentava-se como progenitor das principais instituições do novo Estado, além de ser o partido da maioria dos palmachnikim (Membros do mítico Palmach), kibutznikim (Membros de kibutzim) e intelectuais; e o Herut, que focava-se na figura do carismático Menachem Beguin, e mostrava-se uma alternativa liberal, ressaltando a imagem de responsáveis pela expulsão dos britânicos da Terra de Israel, além de afirmarem-se mais tolerantes em relação aos religiosos. A campanha e os ataques são narrados minuciosamentes por Tzachor, e não nos ateremos aos detalhes aqui.
O Mapai, por fim, conquista 46 cadeiras, contra 19 do Mapam, 16 dos religiosos e 14 do Herut, sete dos Sionistas Gerais e cinco dos Sefaradim. O resultado foi além do esperado: os resultados do Mapam e do Herut foram considerados abaixo da expectativa, enquanto o Mapai, mesmo com grande vantagem, não obteve uma maioria simples. Ben-Gurion teria que formar a primeira coalizão da história do Estado, e inauguraria uma tradição política. Evidentemente o Mapam, que já enfrentava internamente os efeitos da crise provocada pelo mau resultado, se via como natural aliado do Mapai na coalizão governista. Ben-Gurion, em êxtase pela vitória, demorou mais de dois meses para formar o governo. Ele repetia que, com exceção dos revisionistas e dos comunistas, qualquer partido poderia fazer parte da sua coalizão. E iniciou as longas negociações.
Ben-Gurion pensava em coordenar as alianças de acordo com áreas de interesse dos partidos, fornecendo-lhes pastas adequadas às suas bandeiras. A maioria dos partidos, no entanto, fez exigências práticas surpreendentes para o novo Primeiro Ministro, exigindo pastas o Mapai jamais cogitou ceder. O Mapam, segundo maior partido da Assembleia, exigia três ministérios dentre estes cinco: Defesa, Interior, Agricultura, Trabalho e Educação (já prometido aos religiosos). O Mapai propunha três: Agricultura, Habitação e Saúde. Enquanto os dois não se entendiam, o Mapai conseguiu entrar em um acordo burocrático com os religiosos, os sionistas gerais, os sefaradim, chegando a 73 cadeiras. A aproximação prática com o Mapam tornava-se difícil, e neste momento as críticas ideológicas se intensificaram: O Mapam acusava Ben-Gurion de ser servil ao ocidente e de ter diluído o Palmach para enfraquecê-los. O líder do Mapai, inclusive, era chamado pelas costas de "Grande Ditador". Por outro lado, Ben-Gurion dizia que o Mapam era irresponsável. Tzachor, então, afirma que a crise que se deu neste momento e perpetuar-se-ia até o fim, não era ideológica: o Mapam e Ben-Gurion não se entenderam devido a uma discordância pragmática: a divisão de ministérios.
Além da disputa por pastas, também a divisão interna do Mapam (HaShomer HaTzair x HaKibutz HaMeiuchad) aparecia como razão da indecisão dos socialistas na entrada no governo. O tempo corria contra o Mapam, e Ben-Gurion decidiu dar uma chance ao partido: comparecer a uma reunião do governo, mesmo sem ter optado pela entrada. Na noite que antecedeu o encontro, o Mapam reuniu-se e, entre optar por formar o governo ou liderar a oposição, o partido escolheu um terceiro caminho: manter as exigências com a esperança de que Ben-Gurion cederia. O líder do Mapai, com uma base sólida o suficiente para formar o governo sem o Mapam, assim o decidiu, atirando os socialistas pró-soviéticos à oposição.
O Mapam, que enalteceu seu discurso pró-soviético após o fracasso nas negociações, passou a culpar Ben-Gurion por boicote ideológico. O partido prometeu dirigir uma oposição combatente, promovendo uma alternativa ao poder, mas o que de fato ocorreu foi um sumo enfraquecimento do partido e uma divisão interna que provocou a saída de vários membros. Nas eleições seguintes, em 1951, não conseguiram mais do que 15 cadeiras, reduzidas a nove em 1955. O partido se enfraqueceu ainda mais após a confissão dos crimes de Stalin, devido a sua doutrina política, e caminhou em direção ao ostracismo.
O Mapai, por sua vez, de acordo com a visão de Tzachor, ao não priorizar o Mapam em detrimento dos religiosos e liberais, abandonou o caminho socialista e de vanguarda em direção ao pragmatismo político, que o caracteriza desde então até os dias de hoje.
Após a leitura do texto de Tzachor, pode-se compreender exatamente o que Margalit quis dizer: caso Mapai e Mapam governassem o país de forma conjunta, possivelmente o Estado de Israel tornar-se-ia um país socialista. O "se" é a parte da história que não conhecemos.
O que sabemos, no entanto, é que o pragmatismo político que caracteriza o bloco sionista trabalhista (como por exemplo a forte relação artificial criada com os religiosos, a construção de assentamentos na Cisjordânia durante os governos trabalhistas, ou a política econômica liberal desencadeada pelo partido em seus mandatos desde a década de 1970) foi, ao mesmo tempo, o que permitiu o partido passar tantos anos no poder, mas perder apoio por apresentar-se ideologicamente incoerente com suas práticas. Se Israel seria socialista ou não, nunca saberemos. Mas constatamos que o conflito interno entre as esquerdas foi nocivo a elas mesmas.
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[1] Artigo em hebraico: א' מרגלית. "אידאולוגיה חברתית וכלכלית של מפ"ם 1948-54", בתוך א' מרגלית (עורך), השמאל המאוחד, גבעת חביבה 1991 עמ' 217-218.
[2] Partido Sionista Socialista formado basicamente por membros de kibutzim, membros do movimento HaShomer HaTzair e com uma forte base ideológica marxista.
[3] Zeev Tzachor fora secretário de Ben-Gurion no kibutz Sde Boker entre 1971-73, e o ajudou a escrever suas memórias, professor da Universidade Ben-Gurion do Neguev e ex-presidente da Faculdade Sapir, resolveu aprofundar o tema e escreveu um artigo.
[4] Partido Sionista Trabalhista, de orientação socialista não-bolchevique, que controlava a Organização Sionista Mundial e a Agência Judaica desde 1930, e tinha forte influência no movimento sindical.
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Foto de capa retirada de https://www.flickr.com/people/69061470@N05
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