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Jovens que mudam o mundo: os movimentos juvenis em Israel


Originalmente publicado em 06/04/2016, no Conexão Israel            

            

No dia 29 de fevereiro, o diário Haaretz publicou informações de um relatório divulgado pelo Ministério da Educação em Israel: houve um aumento de 65% de presença de jovens nos movimentos juvenis no país desde 2006. Atualmente, um de cada três jovens judeus israelenses frequentam estes movimentos, compondo um universo de 248.600 pessoas. Boa parte destes movimentos são anteriores ao próprio Estado de Israel, e possuem uma importância singular, embora razoavelmente desconhecida, por parte da sociedade israelense. Analisaremos um pouco sua importância junto à dimensão que tem este crescimento.


Alguns destes movimentos juvenis podem existir na sua cidade, leitor brasileiro ou ao menos movimentos semelhantes aos que existem em Israel. (O movimento Habonim Dror está presente em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus. O Hashomer Hatzair está em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Florianópolis. A Chazit Hanoar tem sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O Bnei Akiva está em São Paulo, Rio de Janeiro e Belém. O Beitar se encontra em Porto Alegre. Em São Paulo estão presentes também os movimentos Avanhandava, a Colônia da CIP, Netzah Israel, Hebraikeinu, Laor e Noam.) Explico-me: a maior parte dos movimentos juvenis foi criada por jovens judeus sionistas nas décadas de 1910/20/30 na Europa, mas aos poucos se espalharam para todo a diáspora judaica (inclusive o Brasil). Chamados movimentos chalutzianos (pioneiros), a ideia era criar uma juventude sionista e fazer aliá (ir viver em Israel).


Sua atuação se vê através da educação não-formal, com jogos e atividades vivenciais, seguidos de discussão e debates a fim de alcançar um objetivo, que em geral tem relação com os valores transmitidos pela visão ideológica de cada movimento. Os encontros em geral são semanais (em Israel muitas vezes duas vezes por semana), além de eventos extras, como acampamentos de verão e de inverno. A organização é democrática, os movimentos são liderados pelos próprios jovens, e parte de suas decisões são tomadas em assembleias. 


Em Israel ontem e hoje


Alguns destes movimentos eram tão fortes em seu passado, que foram progenitores de alguns dos partidos políticos existentes até hoje em Israel, como o caso do movimento sionista socialista Hashomer Hatzair (O Jovem Guardião), que até o fim dos anos 1940 era também um partido no espectro da Agência Judaica, e que com a fundação do Estado, mudou seu nome para Mapam (sigla de Partido dos Trabalhadores Unificado) para concorrer às eleições na Knesset. Parte das ondas de imigração judaica, antes e depois da criação do Estado de Israel, foram realizadas por estes jovens, que  fundaram kibutzim (plural de kibutz), povoaram o território, serviram o exército, comprometeram-se com a educação das crianças (tal qual faziam na diáspora), incentivaram o uso do idioma hebraico e expandiram sua visão de mundo, cada um destes movimentos a partir de sua ideologia.


Se bem a maioria destes movimentos se define (e sempre se definiu) sionista, este em algumas ocasiões era o único ponto em comum entre si. Até mesmo em relação às suas definições de judaísmo os grupos se diferem. Temos, por um lado, movimentos de esquerda laicos, conhecidos pela camisa azul e diferenciando-se pela cor do cordão (veja a foto) como o já citado Hashomer Hatzair (cordão branco), Hanoar Haoved Vehalomed (Juventude Trabalhadora e Estudantil) e Machanot Haolim (União dos Olim), ambos de cordão vermelho (veja a foto). No espectro político israelense, à direita temos o movimento Beitar (Sigla de “Pacto de Yossef Trumpeldor”), criado por Vladimir Ze'ev Jabotinsky, pai do movimento sionista revisionista (não confundir com revisionistas do Holocausto). Menachem Begin, primeiro-ministro de Israel (1977-82) foi um dos líderes do Beitar na Polônia, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, e um dos fundadores do Herut, partido que após uma fusão, tornar-se-ia o Likud. Há também movimentos juvenis no meio religioso (que não se definem como de esquerda ou direita), como o Bnei Akiva (Filhos de Akiva), tradicionalmente ligado ao partido Mafdal (Partido Nacionalista Religioso), que hoje integra o direitista A Casa Judaica, mas nem sempre foi assim. Membros do Bnei Akiva fundaram kibutzim religiosos ao longo da história, e formaram governos com os trabalhistas até o fim dos anos 1970. Outros movimentos religiosos são Ezra (Ajuda) e o jovem Ariel (existente há apenas 35 anos). Há também os que não se definem dentro do mapa político nem religioso, como o movimento dos Escoteiros Hebreus (HaTzofim Haivriim), que no passado já foi responsável por fundar kibutzim, e hoje é o movimento mais numeroso em Israel, que se define apenas como sionista e que visa fortalecer a sociedade israelense. Somamos a estes movimentos os listados pelo relatório do Ministério da Educação, União Agrícola (HaIchud Hachaklaí), e os movimentos não-judaicos Juventude Drusa e Escoteiros Árabes e Drusos. Estes dois últimos não se autoproclamam sionistas, mas, em linhas gerais, possuem objetivos bastante semelhantes aos da maioria dos movimentos sionistas não-religiosos, com destaque para a luta pela melhora da condição de vida dos cidadãos árabes israelenses em Israel. Há um percentual de jovens árabes israelenses que frequentam os movimentos sionistas, sobretudo o Hanoar Haoved Vealomed, Machanot Haolim e Hashomer Hatzair, sem qualquer discriminação.


Trabalho social, educação e crescimento


Escoteiros Hebreus, Hanoar Haoved Vehalomed e Bnei Akiva são, nesta ordem, os três maiores movimentos juvenis de Israel, com grande diferença para os outros e pequena entre si (veja a tabela). Juntos, os três maiores contam com 72,8% dos jovens que frequentam todos os movimentos juvenis. Cerca de 30% dos jovens judeus israelenses participam de pelo menos um dos movimentos, contra 22% em 2006. No que diz respeito ao público árabe israelense, o número é menor, mas o crescimento foi gigantesco: 12% em 2016, contra apenas 6% há dez anos. Os números são significativos, mas demonstram que cerca de 75% dos jovens israelenses não frequentam nenhum movimento juvenil. Não se pode dizer, no entanto, que todos estes jovens são potenciais integrantes de movimentos juvenis. Me arrisco a dizer que grande parte está distante de frequentá-los, o que é um desafio significativo para os movimentos. Explico-me: além dos árabes israelenses representarem um alto percentual dos que não os frequentam, outro grupo social não se vê representado por nenhum destes movimentos e são um grupo cada vez mais crescente na sociedade israelense, os ultra-ortodoxos. Esta parcela da sociedade, cuja identidade sionista (ou falta de) é uma questão à parte, tem suas próprias organizações juvenis, mas que não são reconhecidas pelo Ministério da Educação como movimentos juvenis, em geral por não serem geridas pelos próprios jovens e por outras questões. Este caso, no entanto, renderia uma discussão própria, talvez tema para outro artigo.


A importância histórica dos movimentos juvenis na construção do Estado de Israel pode ser medida de diversas formas, e é extremamente difícil questioná-la. Diversos parlamentares e ministros engrossaram as fileiras destes movimentos, tal qual presidentes de relevantes organizações e empresas, além de oficiais do exército. Alguns destes movimentos, inclusive, fundaram de forma embrionária algumas das unidades do exército existentes até hoje. Deve-se destacar o trabalho social realizado nas cidades periféricas e pobres do país, além da educação ecológica e cidadã que estes movimentos dão às crianças que os frequentam. Há diversos acampamentos de verão, onde meninos e meninas desenvolvem autonomia pessoal, senso de responsabilidade e amor à Terra de Israel. Claro, cada um destes movimentos trabalha suas identidades judaico-sionista de uma forma distinta. Certamente no Bnei Akiva o amor à Terra de Israel e o compromisso criado nos jovens para com esta bandeira é distinto do Machanot Haolim. No Hashomer Hatzair, jovens são educados dentro de valores socialistas, algo que certamente não acontece no Beitar, que, por sua vez, possui uma tradição militarista  e que contrasta com o pacifismo do Hashomer Hatzair. Estes movimentos representam a pluralidade de ideias presentes na sociedade israelense, englobando também os não-sionistas. Jovens que pertencem a estes movimentos são mais conscientes do lugar onde vivem, possuem senso de responsabilidade social, e normalmente conhecem melhor a história do país do que os que não os frequentam.


O grande aumento no número de participantes fez com que o ministro da Educação Naftali Bennet (A Casa Judaica) dobrasse a verba pública anual para os movimentos juvenis, de 49,3 para 96,8 milhões de shekels (cerca de 25 milhões de dólares), reconhecendo a sua importância na construção da sociedade israelense. Esta ajuda é essencial para o contínuo desenvolvimento dos grupos, cujos coordenadores e educadores trabalham voluntariamente.


Quanto isso influencia a sociedade israelense? 


Apesar de ser impossível fazer uma análise totalmente objetiva, estão todos de acordo que bastante. Além de todo o trabalho educacional aos jovens, de um ano dedicado a serviço comunitário antes do alistamento militar obrigatório, e de todos os valores recebidos durante o período nestes movimentos, parte dos integrantes decidem, após o exército, viver em comunidades de adultos, criadas para seguir vivendo os ideais do movimento juvenil por toda a vida. São gente que dedica toda a vida à causa, vivendo em condições bem inferiores às que vive qualquer cidadão socialmente desfavorecido na sociedade israelense, dividindo apartamentos de 70 m² com outras 12 pessoas (muitas vezes desconhecidas), enviados a regiões onde faz-se necessário o trabalho social. Alguns vivem nestas condições por alguns anos, abrindo mão dos estudos universitários, ou tentando conciliá-los com sua vida de devoção à causa. Os que mais se identificam, seguem vivendo nestas comunidades por toda a vida, casados e com filhos (em condições sociais mais razoáveis). Refletindo o espírito dos primeiros imigrantes, estes membros incorporam a definição de chalutz (pioneiro) dada pelo líder sionista Yossef Trumpeldor, ícone tanto para os movimentos de esquerda como de direita, nos anos 1920:


"Precisam de uma roda? Eu sou a roda. Precisam de prego, parafuso, roda e volante? Usem-me. Precisamos escavar a terra? Eu escavo. Precisamos atirar? Eu sou o soldado. Polícia? Médico? Advogado? Professor? Quem cave poços? Por favor, digam-me e eu farei tudo isso. Não tenho cara, nem psicologia, nem sentimentos. Não tenho nem mesmo nome: eu sou a pura ideia de servir, pronto para tudo, não estou preso a nada. Eu só conheço um imperativo: construir."

Sabemos que esta frase, hoje bastante radical, serve mais como inspiração do que como interpretação da realidade. Os movimentos juvenis, no entanto, preferem ser inspirados por este tipo de radicalismo do que pela falta de valores que caracterizam o mundo pós-moderno. E, lutando contra a corrente, conseguiram crescer significativamente em Israel nos últimos dez anos. Nem tudo está perdido.

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Foto de capa: Dr. Avishai Teicher via the PikiWiki - Israel free image collection project


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