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Israel erra quando escolhe guerra


Originalmente publicado em 14/08/2014, no Conexão Israel        

            

Não me considero um pacifista por não ver a paz como um fim. Acredito que a paz seja um componente fundamental para os processos sociais, que culminariam nos fins nos quais acredito. Minha opinião é a de que, sim, há guerras justificáveis. Comparto da visão de Clausewitz (foto), no entanto, de que a guerra é a continuação da política por outros meios. As guerras são acontecimentos políticos, e devem ser entendidas desta forma. Eu diria, então, que em determinados casos, quando a guerra não é evitada, temos o sinal de um fracasso político. E é exatamente este o meu tema neste artigo.


Não sou um especialista em estratégias militares, estou longe disso. Para falar a verdade, não sou um especialista em nada. Mas gostaria de questionar estes mesmos especialistas, e serei obrigado a me contradizer, mas prometo resolver esta confusão no final. Apesar do entendimento de que a guerra é um acontecimento político, acredito que os militares não são especialistas em política. Na realidade, a política israelense é contaminada por doutrinas militares, e isto é nocivo demais para a sociedade. É verdade que alguns dos maiores estadistas da história do país foram militares de alta patente. Aliás, praticamente todos os Primeiros Ministros de Israel, ao longo destes 66 anos, se não foram generais do exército, ao menos antes de ingressarem na política, ou serviram o exército como oficiais combatentes, ou ao menos foram encarregados de pastas do alto escalão do Ministério da Defesa. Mas não só na política este pensamento interfere: a sociedade israelense é muito influenciada por esta cultura militarista. Há uma expressão em hebraico que diz: “O povo constrói o exército que constrói o povo” (עם בונה צבא בונה עם). E isso explica um pouco a mentalidade da sociedade.


Minha visão é a de que Israel constrói permanentemente um círculo vicioso, que resulta no (praticamente) inevitável uso da força de tanto em tanto tempo. Não busco aqui discutir os grupos terroristas, para quem a violência e a guerra são as únicas estratégias, algo intrínseco à sua moral[ref]Para quem ainda duvida, assista a reportagem feita pela TV Record em português sobre o Hamas aqui.[/ref]. Todos os governos israelenses, distintamente do Hamas, dizem querer paz, mas constroem há anos, junto a grupos como o próprio Hamas, uma situação bélica da qual não conseguem sair.


É praticamente um consenso entre os judeus israelenses[ref]Aproximadamente 77% da população. Não tenho informação para analisar a postura dos árabes-israelenses, e tampouco me proponho a isso. Teria que escrever outro artigo.[/ref] que a Operação Margem de Proteção foi uma “guerra justa”. A prova disto foi uma pesquisa realizada pelo Instituto Israelense de Democracia, uma das mais prestigiadas instituições do país: em 20 de julho, 95% dos judeus israelenses apoiavam a operação, e apenas 4% julgavam que Israel utilizou força em excesso (veja aqui http://en.idi.org.il/about-idi/news-and-updates/july-2014-peace-index/). A julgar pelas raras vozes pedindo o fim da operação mesmo após o cessar-fogo temporário, as opiniões não parecem ter mudado. O povo parece convicto de que a ação era necessária. Quando falamos de 95%, tenham em conta que nos referimos a homens e mulheres, direitistas e esquerdistas, religiosos e laicos. 95% são quase todos. (Curioso notar que a opinião pública no resto do mundo não compactua com esta visão.) É natural que, quando 65% da população escuta quase que diariamente (se não mais) sirenes anunciando que foguetes foram disparados na sua direção, ou que dezenas de túneis foram construídos, boa parte deles com o objetivo único de realizar atentados terroristas contra a população civil que habita o sul do país (além de três atentados terroristas realizados na região metropolitana de Jerusalém), esta cobre do governo uma atitude. Esta mesma população está disposta a arriscar as vidas de seus familiares nesta operação. Escutei de pessoas das mais variadas filiações políticas e religiosas, classes sociais, gêneros e idades: esta guerra é necessária. Eu consigo perfeitamente compreender este pensamento. Não posso, contudo, estar de acordo.


Assisti a diversos especialistas militares na televisão, e cada vez que os escutava, mais me convencia de que eles estão errados. Posso analisar esta guerra sob um ponto de vista moral e pragmático. Parte disso já fiz em um artigo, escrito em meados de julho. Pretendo complementá-lo, agora.


Israel não busca soluções não militares ao lidar com os palestinos. Tal qual a percepção de Washington Luís, ex-presidente brasileiro nos anos 1920, sobre a questão social (um caso de polícia), o entendimento dos mais distintos governos israelenses sobre os palestinos parece ser semelhante: uma questão militar. É compreensível que nos primeiros anos do Estado, os árabes palestinos fossem vistos como inimigos, a partir de uma perspectiva generalizante. Não só os palestinos, aliás, que de 1949 a 1967 estiveram sob controle egípcio ou jordaniano: os árabes cidadãos de Israel viveram sob um regime militar até 1964, quando o Primeiro Ministro Levi Eshkol decidiu remover esta política que existiu ininterruptamente durante o período no qual David Ben-Gurion chefiou o Estado. Por incrível que pareça, esta marca histórica não é a mais significativa para justificar o meu ponto.


A instabilidade pós-Guerra de 1948 resultou numa forte tensão entre Israel e suas fronteiras, sobretudo naquelas onde habitavam palestinos. Desde 1949, os refugiados palestinos cruzaram as fronteiras quase que diariamente para buscar seus pertences abandonados em suas casas, onde já viviam israelenses desde o fim da guerra. As Forças de Defesa de Israel (FDI) deixaram de fazer vista grossa a esta "invasão" a partir do momento em que a entrada dos palestinos resultou em violência. Aos poucos, sobretudo após a subida de Gamal A. Nasser ao poder no Egito, alguns palestinos foram incentivados a realizar atentados terroristas contra israelenses, evocando a resistência palestina. Neste momento, Ben-Gurion e o exército israelense adotaram uma política conhecida como Doutrina da Retaliação (פעולות תגמול), que basicamente consistia em revidar qualquer movimento hostil ao território e à população israelenses. Melhor que eu, o ex-primeiro-ministro Ben-Gurion definiu o que era esta doutrina:


"Não temos poder para garantir que as linhas de tubulação de água não serão explodidas, ou que as árvores não serão derrubadas. Nós não temos o poder de impedir que os assassinatos de jardineiros, ou de famílias inteiras enquanto dormem, mas temos o poder de definir um preço elevado para o nosso sangue, um preço que seria muito alto para as comunidades árabes, os exércitos árabes e os governos árabes para suportar".


Naquele momento, não havia problema em classificar estes atos como casos de vingança (como o fez de forma crítica o ministro Moshe Sharett). Um leitor mais atento, encontrará citações de Ariel Sharon (então um importante coronel das FDI) ou de Moshe Dayan realçando esta mirada.


É compreensível (não necessariamente justificável) que naquele momento as FDI se vissem obrigadas a demonstrar força. O país estava em formação, o orçamento do governo era limitadíssimo (Israel era um país pobre), dezenas de milhares de imigrantes chegavam todos os anos e todos os países fronteiriços (e outros um pouco mais distantes) eram inimigos. Antes de 1967, Israel não era uma potência militar na região, apesar da heroica vitória na guerra de 1948. Havia uma preocupação real, tanto do governo quanto do exército, em relação à possível destruição do novo Estado recém-criado, caso houvesse uma guerra com os países vizinhos. Esta doutrina surgiu neste contexto: mostrar força, por mais que custe vidas. Que os inimigos não pensem que seus ataques serão em vão. Que não ousem atacar Israel, pois perderão em dobro. Que os cidadãos israelenses possam sentir-se mais seguros, pois alguém responderá quando houver a possibilidade de ataque a suas cidades.


Onde eu pretendo chegar, o leitor deve estar se perguntando? É evidente que as FDI de hoje, temidas, poderosas e superequipadas, não necessitam destas atividades. Elas podem agir de forma mais ética que o terrorista, e buscar atingir somente os responsáveis pelas ações (embora isto quase nunca seja possível). O ponto fundamental, no entanto, não é sobre as práticas militares, mas sim sobre a forma como a política do governo se mescla com as ações militares. Israel de hoje, mesmo após alcançar tratados de paz com alguns países muçulmanos (algo impensável nos anos 1950/60), segue buscando soluções militares visando a "segurança dos seus cidadãos". crêem que a destruição da casa do terrorista, ou o ataque à estrutura militar do Hamas, possa realmente solucionar a raiz de nossos problemas e trazer segurança aos cidadãos israelenses. Este pensamento é tão errado, que impressiona que tanta gente acredite nisso.


Confesso que me causa náuseas escutar discursos do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, dos ministros Avigdor Lieberman ou Naftali Bennett, afirmando que o Hamas recebe um golpe forte, ou que é necessário seguir com a operação para garantir a segurança dos cidadãos israelenses, e outras coisas mais. Apesar do apelo popular, estes sujeitos não são militares, e são votados para usar a cabeça, não a força. Não me impressiona nem me incomoda que um porta-voz das FDI justifique seus feitos militares: isso é o exército. Não me impressionou tanto que um general da reserva tenha dito em canal aberto de TV, que a morte acidental de quatro crianças na praia em Gaza seja um evento muito mais midiático do que trágico. Militares são treinados para resolver os problemas desta forma: usando a força. Políticos são eleitos para comandar o país, não só o exército. Se observarmos que em menos de seis anos estamos na terceira operação em Gaza, com a triste constatação de que os terroristas têm cada vez mais armas, são cada vez mais fortes e cada vez nos dão mais trabalho, chego à conclusão de que os políticos israelenses não sabem agir no seu próprio campo, e recorrem ao exército equivocadamente.


Alego que Israel, mesmo sem querer, provoca situações nas quais as ações terroristas contra si serão consequência óbvia (não disse legítima) de um grupo como o Hamas. Em julho de 2014, com mais de 50 túneis construídos, mais de 9 mil foguetes nas mãos de terroristas, e um bloqueio em Gaza que põe o governo do Hamas em uma situação de desespero, era de se esperar que o governo se visse obrigado a uma ação militar. Mas eu gostaria de lembrá-lo, caro leitor, que esta é a terceira ação militar em seis anos. Ou seja, o que fizeram os governos Netanyahu neste período? Respondo: criaram um ambiente de guerra.


Como? A resposta está na cara de todos nós: há duas lideranças palestinas, uma moderada, na Cisjordânia (que nos reconhece e coopera conosco), e uma radical (que não nos reconhece e nos ataca), em Gaza. Como age Netanyahu em relação à primeira? Dificulta o acordo e constrói incessantemente colônias nos seus territórios. São limitados até mesmo internamente, com barreiras. Enquanto isso, em Gaza, apesar do bloqueio, a ajuda humanitária chega aos montes. Os palestinos de lá, apesar das restrições, não convivem nem com barreiras internas, nem com colônias sendo construídas: ao contrário, têm o direito de ir e vir (dentro de Gaza), e não vêem interferência no seu dia-a-dia de nenhuma força externa. O Hamas vende seu peixe muito bem: sua narrativa é a de que eles, e só eles, são a resistência, e graças a isso não há em Gaza nenhum sionista ocupador. Sempre que se assina um cessar-fogo, angariam mais liberdades. Em eventuais conflitos, as mortes lhes favorecem, pois quem aperta o gatilho das armas que matam os palestinos não são eles, por mais que Israel lhes tente passar a responsabilidade. O ódio palestino é contra as FDI, o Hamas não tem aviões, nem tanques, nem exército. Parafraseando o escritor Amos Oz, quando morrem israelenses, bom para o Hamas. Quando morrem palestinos, é bom para o Hamas. Ou seja: a guerra é ruim para Israel, ruim para os palestinos, mas boa para os terroristas. Não é de se estranhar que na última pesquisa feita em 2012, o Hamas alcançasse o primeiro lugar em eventuais eleições.


Mas a mentalidade militar segue dominando as ações dos políticos. Parecem viciados em retaliar, mostrar força, justificar a expressão "tranquilidade será respondida com tranquilidade". Aquele que conversa recebe em troca assentamentos. Aquele que nos ataca recebe direitos. Qual a lógica nisso? Israel premia os terroristas, e pune os moderados. O governo insiste em pormenores em negociações com os moderados, enquanto os radicais se armam. E quando os moderados se juntam aos terroristas, formam um governo de união e afirmam desejar negociar, punimos os dois. Enquanto isso, a situação piora. Parece que aqui a força bruta consegue vencer a inteligência.

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