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Escalada de violência em Gaza - Lado B: Faixa de Gaza



Escalada de violência em Gaza - Lado B: Faixa de Gaza

              

Publicado originalmente em 14/08/2018, no Conexão Israel            

            

Tradução livre do artigo de Amira Hass, publicado originalmente no site do diário Haaretz em 10/08/2018, feita por João Koatz Miragaya. Leia o original aqui.


“Meus netos tremeram de medo a noite toda”: conversas com cidadãos de Gaza cansados, que não querem outra guerra.


Uma guerra encontrará Gaza fraca e exausta, com falta de gasolina que causam danos a serviços hospitalares já em andamento. Um habitante de Rafah tenta explicar: nós pensamos diferente, temos medo e não temos medo, entendemos e não entendemos o que está acontecendo”.


“Se o Hamas não responde à agressividade israelense, as pessoas os criticam e se queixam de sua passividade. Se eles respondem a essa agressividade por meio de disparos de (foguetes) Qassam, as pessoas temem que isso cause uma escalada a uma guerra. Põe em perigo o Hamas e põe em perigo o povo.” Assim resumiu um companheiro que vive na cidade de Gaza, após dia e noite de bombardeios e lançamentos de foguetes Qassam.


“Não é possível entrar no mar, devido ao esgoto despejado”, ele conta, “mas depois do almoço as pessoas entram em massa no mar - o único lugar aqui que tem um pouco de vento. Eles fogem de suas casas quentes, sem energia elétrica e sem ar condicionado, e às vezes também sem água corrente. Na quarta-feira os israelenses explodiram o porto, e todas as pessoas, coitadas, fugiram em todas as direções em pânico”.


Ninguém em Gaza dormiu à noite - ele conta em uma conversa telefônica, assim como contam outras pessoas, também por conversas telefônicas. Cada um do seu jeito: “minha casa inteira balançou com as explosões, meus móveis dançaram, e sacudiram-se todos os utensílios da cozinha”, descreveu um vendedor que vive no norte da Faixa de Gaza, onde os bombardeios israelenses estiveram especialmente próximos. Ocasionalmente, seus netos que vivem no centro da cidade de Gaza foram visitá-lo.


“Coitados”, ele diz, “eles tremeram de medo toda a noite das bombas israelenses e dos foguetes Qassam - eu já não sei diferenciar os armamentos. E então chegou a notícia de que alguém da nossa região, Ali Rindor, foi morto pelo bombardeio israelense em uma área de plantação. Estão dizendo que ele é do (grupo) Izz ad-Din al-Qassam. Ele deixou sua mulher e cinco filhos. O problema já não são mais os mortos, e sim os que ficam vivos: como ela vai se virar sozinha? Como viverão as crianças sem pai? Parte da população apoia tudo o que o Hamas faz e justifica todas as suas ações. Parte se opõe e tem medo da guerra. Mas ninguém quer guerra. Veja, em Deir al-Balah (cidade localizada no centro da Faixa de Gaza), foram mortas uma jovem mãe grávida, Inas, sua filha de um ano e meio. Não temos quartos anti-bombas, nem sirenes, nem cúpula de ferro”.


“O nosso maior problema é a era da ignorância que nós vivemos, a ignorância dos jovens”, ele continua. “Eles estão sufocados. Em casa eles têm energia elétrica só por três ou quatro horas (por dia). Eles rondam fora de casa sem trabalho, perambulam (como mendigos) pedindo cigarros ou um shekel para comprar cigarros. Eles não pensam. Não sabem nem como nem o que pensar. Quem tinha situação econômica mais estável já se foi há tempos para a Cisjordânia ou para o exterior. E agora as ruas estão tomadas pelos jovens de muletas, feridos na Marcha pelo Retorno”.


E só então ele chegou à sua análise política, quando ao fundo ouvia-se as vozes de suas netas, que estavam brincando. “Para Israel é cômodo que o Hamas esteja no poder, eles querem que o Hamas permaneça no poder. Nós somos um povo pobre que está sendo abusado. De um lado por Israel, de outro pelo Hamas, e de um terceiro lado, pelo Abbas. Se tivessem aberto o (check point) Erez para a passagem de pessoas, para que pudessem trabalhar e se sustentar, todos teriam se esquecido do Hamas”. Meu interlocutor trabalhou por 35 anos em Israel.


Só não no terraço


A voz da sua amiga revelou que ela também não dormiu nem de noite nem de dia. “Durante as explosões de ontem (de noite, entre quarta e quinta-feira), eu vivi de novo os 55 dias da guerra de 2014”, ela disse. “Tentamos abrir todas as janelas para que os vidros não se quebrassem. Depois nos afastamos das janelas para que os operadores de MRPV (aviões sem piloto) não pensassem que estávamos espiando e disparassem mísseis contra nós. Muitas pessoas que conhecemos morreram desta maneira nas últimas guerras. Averiguamos que nenhuma criança curiosa não tinha subido ao terraço, que não havia pombos para alimentar, e nenhuma mulher estava lá para recolher a roupa do varal. Em todas as últimas guerras e escaladas de violência, o exército de vocês disparou mísseis contra pessoas e crianças que estavam no terraço, e os matou’.


“Um alto prédio residencial que se localizava ao lado de nossa casa foi explodido na última guerra. Ele desmoronou em frente aos nossos olhos, toda a (nossa) casa se encheu de poeira e cinzas. Desde então ele foi construído de novo, mas ontem à noite, durante as explosões, toda a noite eu o vi sendo destruído de novo. Agora estamos esperando o que será dito nas reuniões de gabinete israelense. Nós não entendemos nada. Os dois lados dizem que não querem guerra, mas os dois lados trabalham como se estivessem em guerra e clamam por uma escalada de violência. Veja, os israelenses mataram uma mãe grávida e sua filha. Enquanto isso, ouvimos dizer que um míssil foi disparado da Faixa de Gaza e chegou a Beer-Sheva. Ouvimos dizer que o Hamas não está interessado em guerra, mas tudo está às nossas custas”.


Uma fonte do departamento de segurança palestino divulgou ao “Amad” - um site de notícias afiliado aos adeptos de Mohammed Dahlan da Fatah - que um grupo salafista extremista disparou o míssil depois que os representantes dos grupos armados anunciaram o armistício à agressão israelense. De acordo com o site, o lançamento de mísseis em direção a Beer-Sheva, se assim for, é uma atividade “suspeita” (insinuação de que os atiradores podem ser colaboradores de Israel), “o que contradiz a posição de segurança comum" e cujas operações estariam ligadas a "elementos não nacionais". Segundo a mesma fonte, as forças de segurança do Hamas, com a ajuda de outras forças, estão trabalhando para localizar o grupo suspeito.


Notícia verdadeira ou não, ela reflete a esperança geral dos habitantes da Faixa de Gaza: que os israelenses entenderão que o Hamas não está interessado na guerra. “Os (foguetes) Qassam foram uma resposta à morte de dois combatentes do Izz ad-Din al-Qassam”, disse um habitante de Rafá. “É um fato que Israel se preparou para isso, e admitiu que foi um erro disparar e matá-los. As pessoas entendem que precisa haver uma resposta”. Como muitos outros, ele estipulou sobre o adiamento da reunião de gabinete israelense: é a prova, na sua opinião, e na opinião “das ruas” (nas suas palavras), que Israel tampouco está interessada em uma guerra. Assim todos convencem a si mesmos, que dentro de pouco todas as explosões e disparos de mísseis cessarão, que o pesadelo será mais curto dessa vez.


No sul da cidade de Gaza, na entrada do bairro Tel al-Hawa, houve na quarta-feira um casamento na rua, com músicas e devoção - enfatizou nosso contato. Uma festa diferente para as pessoas, que aconteceu em um hotel em frente ao mar. Avi, o noivo, insistiu para que continuassem a dançar até às 23h, contou seu amigo e concluiu: “nós somos diferentes. Temos medo e não temos. Entendemos e não entendemos o que está acontecendo. Eu observei a rua e estava tudo normal, as pessoas saíam. Ainda que comprem menos, por causa das sanções de Mahmoud Abbas, e também por estarem economizando para as festas, ninguém espera que haja guerra. Todo mundo espera que isso acabe hoje. O fato é que, por enquanto, somente três foram mortos. Ele realmente quis dizer “somente”, como disse.


Uma jovem professora universitária, que voltou mais cedo do que o planejado do trabalho de preparação para o novo ano letivo, se impressionou que todos se apressaram para retornar cedo para casa, e que o movimento nas ruas estava fraco. Ela também se impressionou que muitos não foram trabalhar após a noite de explosões. “Se saímos, é para perto de casa. Ninguém vai pra muito longe. A situação é estranha. Às vezes falam em calmaria, às vezes estamos a um passo de uma guerra. E nós não entendemos nada. Minha sobrinha, uma criança de cinco anos, ouviu as explosões na região do porto e se assustou. ‘São fogos de artifício’, tentou acalmá-la seu pai. ‘Não pode ser’, ela o repreendeu. ‘De fogos de artifício ninguém tem medo’”.


Uma guerra encontrará Gaza fraca e exausta, mais que nas últimas três últimas guerras. Além do processo de empobrecimento que se agravou este ano devido a cortes nos salários dos funcionários da Autoridade Palestina, desde o dia 2 de agosto, Israel proíbe a entrada de combustíveis na Faixa de Gaza. Os estoques estão diminuindo porque a gasolina também foi interrompida de 16 a 24 de julho, em resposta às pipas em chamas. A escassez severa de combustível está colocando em perigo o funcionamento dos hospitais já superlotados de feridos da marcha de retorno, sofrendo com a falta de medicamentos. A escassez de combustíveis forçou os municípios a reduzir suas operações de esgoto e descarte.


Anteontem alertaram organizações das áreas de saúde e saneamento básico, que para garantir o funcionamento dos hospitais centrais e dos serviços essenciais de água e saneamento até o final da semana, o combustível de emergência deve ser fornecido imediatamente - pelo menos 60.000 litros. "O combustível está disponível e está aguardando a aprovação das autoridades israelenses para sua entrada", disseram as organizações em um comunicado. Na ausência de fornecimento regular de eletricidade, é necessário combustível de emergência para operar geradores em hospitais e para operar sistemas de esgoto e água. Se o combustível de emergência não for fornecido imediatamente, 1,2 milhão de pessoas estarão sob risco imediato de inundação de cerca de 41 estações de bombeamento de esgoto na Faixa de Gaza.


Nota do tradutor


A ideia é mostrar, por meio da mídia israelense, como os habitantes das regiões mais afetadas pela escalada de violência e risco de guerra iminente se sentem, pensam e se preparam para o que virá.


No "Lado A", o leitor poderá ter acesso à tradução de uma reportagem feita com moradores israelenses do Envelope de Gaza (Otef). Leia aqui.


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