A Europa que maltratou os árabes, humilhou-os e os explorou por meio do imperialismo e do colonialismo é a mesma que perseguiu e oprimiu os judeus e, por fim, permitiu ou ajudou os alemães a extirpá-los do continente e assassiná-los praticamente a todos. Mas os árabes nos vêem não como um punhado de pessoas salvas por milagre, meio histéricas, mas como os novos e únicos agentes da Europa colonialista, sofisticada e exploradora que espertamente se voltou de novo para o Oriente — desta vez com o disfarce do sionismo — para de novo explorar, oprimir, expulsar. E nós, de nossa parte, os vemos não como vítimas iguaizinhas a nós mesmos, não como irmãos na desgraça, mas como cossacos prontos a tramar mais um pogrom, antissemitas sedentos de sangue, nazistas disfarçados, como se os nossos perseguidores europeus tivessem reaparecido por aqui em Eretz-Israel, coberto a cabeça com kafias, deixado crescer o bigode, mas sem deixar de ser eles mesmos, os nossos velhos inimigos sanguinários, cujo único interesse na vida é degolar os judeus por pura diversão.
Escrever esse artigo não está sendo fácil. A quantidade de vezes que já mudei o início é enorme. Não falo ainda do fim porque não sei se chegarei a ele. Será que poderei dizer que terminei um artigo em que falo da autobiografia de Amós Oz? Ou da própria biografia, vida, de Amós Oz? Não acredito nisso.
Estou me sentido, em parte, como o pai dele, Yehuda Arieh Klausner, quando escrevia seus livros e artigos. Ou pelo menos da forma como Amós Oz descreveu seu pai no momento em que ele escrevia seus livros e artigos. Sentando em sua mesa, livros espalhados por todos os lados para consultas. Anotações. Fichas. Afundado no meio de uma bagunça literária, centenas de milhares de palavras, tudo para permitir que ele pudesse terminar suas obras e alcançar seu tão sonhado emprego na Universidade Hebraica de Jerusalém.
Ok. Há alguns livros aqui em minha mesa. Todos eles ligados a Israel. Há um dicionário português-hebraico-português. E um copo de café com leite. Fichas? Não. Anotações? Sim. Os livros sobre a mesa são para ajudar a escrever esse artigo? Não. Minha intenção não é escrever uma biografia de Amós Oz. Ele mesmo fez isso. Quem sou eu para fazer isso no lugar dele, então? Até porque…...não. Não tem nem até porque. Ninguém poderá escrever a biografia de Amós Oz depois de ele ter feito isso por si mesmo.
Não estou afundado nesses livros ou nas anotações. Muito menos no copo de café com leite que agora está pela metade. Estou afundado em pensamentos que não me deixam desde que terminei de ler o livro. Como organizá-los?
Parei. Chega. Faço uma lista de tópicos. Pego um gravador. Sensacional. Começo a gravar meus pensamentos para não perder nada. Vale a pena então fazer um podcast ao invés de escrever um texto? Talvez. Tantas coisas. Tantos pensamentos e sentimentos. Mas também para gravar um podcast terei que escrever algo. Um roteiro pelo menos. Talvez possa gravar depois que o artigo estiver pronto. Não. Volto para o gravador. Gravo minha voz mas não tiro os tampões que pus no ouvido para me isolar um pouco do que há para além dos meus pensamentos.
De Amor e Trevas é o nome da autobiografia de Amós Oz. Na verdade, se traduzirmos literalmente do hebraico, o nome do livro seria História sobre Amor e Trevas, mas os editores em português preferiram adaptar um pouco o nome do livro. Nada de grave.
Resolvi ler este livro imediatamente após a sua morte. A escolha se deu por alguns motivos: um deles foi ao saber que Amós Oz enviou uma cópia da edição traduzida para o árabe para Marwan Barghouti. Barghouti é uma liderança política palestina que cumpre prisão perpétua em uma cadeia israelense por ter dado apoio a ataques terroristas que deixaram cinco mortos durante a Segunda Intifada. Amós Oz escreveu a seguinte dedicatória no livro que deu a Barghouti: “Essa história é nossa história. Espero que você a leia e nos entenda melhor, assim como nós tentamos entender vocês. Espero te encontrar em breve, em paz e liberdade”.
Na verdade, o motivo não foi o fato de Amós Oz ter enviado o livro a Barghouti. O motivo foi algo que ele escreveu na dedicatória. A primeira frase: “Essa história é a nossa história”. Fiquei extremamente intrigado com o que Amós Oz chamava de “a nossa história”. Como assim? História de quem? Dos judeus? Em que período? Do movimento sionista?
O outro motivo foi querer ler o que Amós Oz tinha a dizer de si mesmo de forma direta e objetiva. Por que digo isso? Porque acho que todo escritor romancista acaba falando um pouco de si em seus personagens. Mesmo que não seja essa intenção acho que o autor acaba por transparecer elementos da sua personalidade em suas histórias. Mas isso nem sempre é fácil para nós, leitores, entendermos. Isso também não é uma regra. Nem uma exceção. Pode ser que os personagens não digam absolutamente nada sobre quem os criou.
Porém não tenho dúvidas que no caso de um escritor como Amós Oz, alguém que se propõe a ler a sua bibliografia inteira, terá, no fim, uma boa ideia de quem ele é. Ele escreve sobre o local onde vive, sobre a sua realidade e realidades, no plural.
O livro é realmente incrível. Vale a leitura - (esse “vale a leitura” é meio problemático porque acho que seja algo que aparecerá em todos os artigos sobre os livros de Amós Oz nesse projeto). Sua escrita me levou para dentro da sua casa, para dentro de uma Jerusalém que não conheci. Para uma Europa antissemita que ele não conheceu pessoalmente mas vivenciou em suas histórias familiares. Sua família foi diretamente afetada pelo antissemitismo no leste europeu.
Contudo, gostaria de falar de algo que é fundamental sobre o livro - pelo menos na minha opinião. Amós Oz não escreve profundamente sobre a sua vida adulta. Sua vida depois do serviço militar, e do seu assustador primeiro encontro particular com David Ben Gurion, é retratada de forma secundária. Com pinceladas. A autobiografia dele termina quando tinha cerca de 22 anos de idade. Mas mesmo assim, há muita pouca coisa sobre os anos que seguiram à morte de Fânia.
Por que isso? Porque eu acho que o que interessava a Amós Oz não era contar o que ele pensava da vida. O que ele pensava sobre sionismo. A importância para judeus em viver em seu próprio estado e se autodeterminar enquanto povo. Isso ele fez nos mais de 30 livros que publicou. O que era importante para ele, na sua autobiografia, era explicar quem é o Amós Oz que escreveu todos esses livros. Que pensava o que pensava sobre o sionismo e sobre a importância para os judeus terem a autodeterminação. Explicar quem é Amós Oz que não só escreveu livros. Como se deu a formação de Amós Oz.
Hoje a Europa está totalmente mudada. Está cheia de europeus, de ponta a ponta. E também as pichações nos muros da Europa estão um tanto diferentes: na época da juventude de meu pai, em Vilna, todos os muros da Europa estavam pichados assim: “Judeus vão para a Palestina!”. Passados cinqüenta anos, ao retornar à Europa a passeio, todos os muros lhe berravam: “Judeus, saiam da Palestina!”.
Há um mês, quando da sua morte, não me lembro se em um artigo ou vídeo, vi algo sobre Amós Oz dizer que esse livro não era a sua autobiografia. Ele dizia que o livro era a história da sua família. Dos seus pais. Dos pais dos seus pais. Dos pais dos pais dos seus pais. Há algo de correto nisso. Depois de ler o livro, além de entender o comentário de Amós Oz, interpretei parte da sua dedicatória a Marwan Barghouti em um outro contexto. Ele diz assim: “Essa é a nossa história”. Mas ele se refere à história de sua família ou à história dos judeus?
E aqui faço uma pausa para comentar sobre essa questão de ser a “nossa história”. Realmente o livro fala da história de sua família, do lado materno, os Mussman, e do lado paterno, os Klausner. Porém, e aqui fica uma crítica a essa parte da dedicatória a Barghouti, não é a “nossa história” enquanto judeus. Talvez possa a ser parte da história do sionismo como um movimento europeu ou até mesmo a “nossa história” enquanto judeus europeus, mas não da totalidade dos judeus. A história dos judeus europeus é completamente diferente da história dos judeus do oriente. E o próprio papel desses grupos na construção do sionismo é completamente distinto.
Assim, devemos entender a história de Amós Oz e seus antepassados recentes como um microcosmos da história dos judeus europeus. Sem dúvida houve muitas outras famílias Mussman a Klausner na Europa. Muitas delas não tiveram a sorte ou o ímpeto ou a coragem de migrar para a Palestina e foram simplesmente apagadas da face da Terra abruptamente.
Os Mussman e os Klausner
Naqueles anos eu gostaria de ser livro quando crescesse. Não escritor, mas livro mesmo — de tanto medo. Porque, lentamente, na mente de todos aqueles cujos parentes não tinham chegado a Israel, foi se consolidando a certeza de que os alemães teriam assassinado todos eles. Havia um pânico em Jerusalém, que as pessoas tentavam com todas as forças enterrar bem fundo no peito.
A história de perseguição aos judeus na Europa durante as primeiras décadas do século XX é fundamental para entender quem é Amós Oz. Sua família foi diretamente afetada por isso. Não foram só histórias que foram contadas por pessoas que chegavam da Europa naquele período. Seus pais, seus avôs, suas avós, tios e tias, todos vieram para a então Palestina por conta da perseguição aos judeus antes e depois da ascensão do nazismo.
A família de seu pai, Yehuda Arieh Klausner, vem da região de Odessa, Ucrânia. Já a família de sua mãe, Fânia Mussman, veio da cidade de Rovno, então Polônia e hoje Ucrânia. Tanto Yehuda quanto Fânia estudaram e eram poliglotas. O tio de Yehuda, Yossef Klausner, era um grande intelectual judeu e professor da Universidade Hebraica, o que ofuscou e travou a carreira acadêmica que ele tanto almejava.
A perseguição aos judeus foi fator fundamental na formação de Amós Oz. Seus parentes foram vítimas de perseguição e um dos irmãos de seu pai, junto com a sua família, também foram vítimas do massacre. Os judeus da cidade de Rovno, cidade de sua mãe, foram massacrados em uma noite em uma floresta. Floresta essa que sua mãe costumava passear na sua infância. De um dia para outro Fânia perdeu todos que ela conhecia e que ainda estavam na cidade.
A morte, em Rovno e depois na Palestina, esteve presente de forma constante em sua vida e foi um dos fatores para a depressão que a assolou alguns anos mais tarde, levando-a ao suicídio.
Fânia vinha de uma família com um nível socioeconômico bom. Começou seus estudos universitários mas só pôde concluí-los em Israel. Estudou em Praga porque os judeus não eram aceitos em universidades na Polônia. Porém ao chegarem na Palestina a situação mudou. Tiveram que se adaptar a uma realidade diferente.
Ainda em Rovno sonhava com Eretz Israel. Sonhava com a vida pioneira. Com o novo judeu, forte, bronzeado, livre. Queria, o quanto antes, emigrar. Os pioneiros e suas vidas revolucionárias, que se contrapunham a tudo o que representava a vida dos judeus na diáspora européia, fascinavam Fânia. Falava da vida do kibbutz, dos pioneiros da Galiléia, dos que pegavam em armas para defender seu(s) sonhos de poder ser livre. De viver em seu próprio país e se autodeterminar. Fânia não imigrou para ter a mesma vida que tinha na Polônia. Queria renascer, queria se libertar.
As dificuldades da vida de imigrante, as dificuldades materiais impostas pela subdesenvolvida Jerusalém, as frustrações, a guerra, as perdas de amigos que também viviam aqui em função da guerra, foram outros fatores fundamentais para a dor que sentia e que a levaram a desistir de tudo em janeiro de 1952.
Com a família de seu pai a história não foi muito diferente. Yehuda Arieh Klausner falava mais de 15 idiomas. Era um aficcionado pelas palavras, pelas línguas, pelo idioma hebraico. Imigrou para a Palestina em 1933 também na busca do sonho de ser livre.
Foi estudar na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde conheceu Fânia. Sua vontade de lecionar nessa universidade foi freada a todo momento ao longo da sua vida. Seu parentesco com Yossef Klausner foi um dos impedimentos. Yossef tinha receio em indicá-lo porque poderia ser acusado de privilegiar seu sobrinho. Além disso, sua graduação em literatura em Vilna não era páreo frente aos outros candidatos que tinham a mesma formação só que em universidades mais conceituadas pela Europa ocidental. Trabalhou na biblioteca nacional e escreveu diversos verbetes na enciclopédia hebraica.
Perseguição e antissemitismo também estavam presentes na família Klausner. Amós Oz conta que na noite da aprovação da partilha da Palestina, após as comemorações na rua lotada onde uma multidão se amontoava para ouvir no único rádio disponível a votação da Assembléia Geral da ONU, seu pai veio dormir com ele em sua cama.
Se deitou e disse a Amós que ele jamais saberia o que ele tinha vivido na sua escola em Vilna por ser judeu. Contou que foi agredido por outras crianças e quando seu pai, avô de Amós, foi ao colégio reclamar do que tinha acontecido também foi agredido. Ninguém abriu a boca. Ninguém foi ajudar. Continuou dizendo que ele sabia que em algum momento Amós sofreria bullying mas agora, por terem os judeus seu próprio país, ele jamais sofreria bullying por ser judeu. Amós Oz conta que, no escuro, acariciou o rosto de seu pai e foi a única vez na vida que o “sentiu” chorando.
A relação com seus pais é outro fio condutor no livro e, obviamente, da vida de Amós Oz. Tinha uma relação mais próxima com a sua mãe, com quem conversava mais e o entendia de forma completa. Com suas histórias, que muitas vezes recebiam a crítica furiosa de Yehuda, Fânia explicava para Amós segredos da vida e do coração.
O Oz
A morte de todos os adultos me insinuou uma idéia fascinante, secreta e decisiva. E assim, aos catorze anos e meio, dois anos após a morte de minha mãe, matei meu pai e matei toda a Jerusalém, troquei o meu sobrenome e fui sozinho para o kibbutz Hulda para viver, também eu, sobre as ruínas.
Eu queria escrever que aqui se constrói o Amós Oz que conhecemos, o ativista pela paz, social-democrata. Mas isso seria uma contradição. O Amós Oz que se constrói a partir desse momento é fruto do Amós Oz que existiu até esse momento. Há uma ruptura, a mudança para o kibbutz é um ato revolucionário, mas não são duas pessoas diferentes.
Mas, sim, aqui surge Amós Oz. Até então, do seu nascimento em 1939 até 1954, não se chamava Amós Oz. Seu nome era Amós Klausner, filho de Yehuda Arieh Klausner e Fânia Mussman.
Amós abandona seu sobrenome e foge para o para o kibbutz. Rompe com seu pai, com as mágoas de uma relação difícil, principalmente durante o período em que sua mãe esteve doente. Deixa para trás a pobre e tensa Jerusalém com suas cercas farpadas e muros em terrenos baldios que separavam a parte árabe da parte judaica da cidade. Junto, tenta abandonar uma vida literária que parecia estar em seu DNA. Abandona o sionismo revisionista, tão caro para seu tio, seu avô e seu pai.
Contudo, esse revolucionário ato tem algo de Fânia, sua mãe. O jovem Amós quer ser o que sua mãe sonhava. Se transforma no pioneiro dos sonhos de Fânia ainda em Rovno. Se torna motorista de trator. Fica forte. Se bronzeia ao sol no trabalho da lavoura. Não é mais o judeu da diáspora que estuda mas não tem aptidões físicas. Vai construir o país no braço, na lavoura, na marra. Serve o exército, como todos, mas não consegue largar os livros. E mais que isso. Descobre que os kibbutznikim - membros do kibbutz - também liam. E muito. Discutiam socialismo, sionismo, estado, revolução, marxismo, e faziam isso durante o trabalho na lavoura. E assim ele continuou se formando.
Amós Oz, sem dúvida nenhuma, é uma pessoa completamente diferente de Amós Klausner. Mas também, sem dúvida nenhuma, é um exemplo de como se formou parte da sociedade israelense. Seus medos, seus anseios, seus traumas e seus sonhos. Sua história é a história de partes do povo judeu aqui e na diáspora. Hoje e há um século.
Ao longo deste longo artigo coloquei algumas parte do livro De Amor e Trevas, a autobiografia de Amós Oz. Quero terminar com mais uma citação de uma conversa que Amós Oz teve com Efraim Avneri, membro do kibbutz Hulda, enquanto faziam a vigia do kibbutz. É um pouco grande mas se não fosse tão importante, Amós Oz não teria colocado no seu livro.
Era uma noite de inverno, e eu estava de sentinela junto com Efraim Avneri. Com botas, casacão surrado e gorro de lã pinicando a cabeça, tomamos posição na trilha enlameada junto à cerca que fica atrás dos estábulos e depósitos. Um cheiro forte de casca de laranja, que era usada no preparo da ração, misturava-se a outros odores agrícolas: esterco de vaca, palha molhada, o vapor quente do curral de ovelhas, a poeira do galinheiro. Perguntei a Efraim se durante a Guerra de Independência, ou durante os tumultos que a antecederam, nos anos 30, ele havia atirado em um desses assassinos, matando-o. No escuro não pude ver a expressão de Efraim, mas uma certa ironia subversiva, uma estranha melancolia, sarcástica, transparecia em sua voz ao me responder, depois de refletir um pouco: “ Assassinos? Mas o que você espera deles? Do ponto de vista deles, somos estrangeiros vindos de outro planeta, que aterrissaram e invadiram as suas terras. Devagarinho fomos tomando pedaço por pedaço, e enquanto assegurávamos a eles ter vindo para o seu bem - para curá-los dos vermes e do tracoma, libertá-los do marasmo, da ignorância e da opressão feudal -, fomos espertamente garfando mais e mais de sua terra. Então, o que você acha? Que vão nos agradecer pela benevolência? Que viriam nos receber com fanfarras festivas? Que viriam nos oferecer numa cerimônia as chaves de todos os lugares que ainda não tomamos só porque nossos antepassados viveram por aqui um dia? Você ainda se surpreende quando eles empunham as armas contra nós? E agora, depois de impor-lhes uma derrota fragorosa e ter deixado centenas de milhares deles em campos de refugiados, ainda acha que vão fazer festinha para nós e nos desejar tudo de bom?” Fiquei atônito. Apesar de já estar bem distante da retórica do Herut e da família Klausner, eu ainda não havia compreendido totalmente a realidade da argumentação sionista. As idéias noturnas de Efraim me assustaram e até me revoltaram bastante. Naquele tempo idéias desse tipo seriam facilmente catalogadas como traição. O assombro e a surpresa me levaram a fazer a Efraim Avneri uma pergunta inusitada: “Se é assim, então por que você anda armado por aí? Por que não vai embora de Israel? Ou pega a sua arma e passa para o lado deles?” Pude sentir seu sorriso triste na escuridão: “Para o lado deles? Mas eles não me querem ao lado deles. Em nenhum lugar do mundo me querem. Ninguém neste mundo me quer, esse é o problema. Em todos os países, parece que tem gente demais do meu tipo. É só por isso que estou aqui. É só por isso que ando armado. Para que não me mandem embora daqui também. Mas a palavra ‘assassinos’, eu não vou usar, nunca, para os árabes que perderam suas aldeias. De qualquer modo, em relação a eles não vou usar facilmente essa palavra. Para os nazistas, sim. Para Stalin, sim. E para todo tipo de usurpador de territórios, sim, mas não para eles.” “Mas pelo que você diz, nós aqui também somos usurpadores de territórios, não? Mas os judeus não viviam aqui há dois mil anos? Não fomos expulsos à força?” “Bem … é muito simples”, disse Efraim, “muito simples, se não for aqui, então onde será o país do povo judeu? No fundo do mar? Na Lua? Ou será que só o povo judeu, de tantos e tantos povos no mundo, só nós não merecemos ter um pedacinho de pátria?” “E o que nós tomamos deles?” “Escuta, será que você por acaso esqueceu que em 1948 eles tentaram nos matar a todos? Em 1948 houve uma guerra terrível, eles colocaram a coisa nos seguintes termos: ou nós, ou vocês, e nós vencemos e tomamos deles. Na verdade não há muito do que nos orgulharmos! Mas se eles tivessem nos derrotado, aí haveria menos ainda do que se orgulhar: nem um único judeu teria sido deixado vivo. Nenhum! E na verdade em todo o território deles não vive hoje um único judeu. Então, aí está: como nós tomamos o que tomamos deles em 1948, temos agora o nosso território, e como já temos o nosso território, mais do que isso não vamos tomar deles. Acabou. Essa é a grande diferença entre nós e o seu Begin: se um belo dia tomarmos mais terras deles, agora que já temos, aí então será um pecado muito grande.”
Foto: Michiel Hendryckx - Creative Commons
Artigo publicado em 25 de fevereiro de 2019
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