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Am Israel High


Andar pelas ruas de Israel e ver pessoas fumando um “baseado” não é algo raro. Nos grandes centros e periferias, kibutzim e moshavim, jovens e adultos costumam sentar em praças e cafés e, sem se preocupar com o transeunte fofoqueiro, “apertam um” e aproveitam as suas manhãs ou tardes de sexta-feira. Na última quinta feira, dia 26 de janeiro, Israel resolveu mudar a sua política em relação ao uso da cannabis, flexibilizando-a.


Estima-se que cerca de 25% da população israelense usa ou tenha ao menos experimentado a erva, ou seja, cerca de 2 milhões de pessoas. De acordo com a lei atual (antes da mudança) o usuário é proibido de portar qualquer quantidade de cannabis. Caso seja pego em flagrante, será indiciado de acordo com a quantidade que portava no momento. Até 15 g de cannabis é considerado consumo próprio e o usuário poderia pegar até 3 anos de prisão. Mais de 15 g é considerado tráfico e o portador pode pegar até 20 anos de prisão.


Uma comissão presidida pela deputada do Meretz, Tamar Zandberg, era responsável por criar o debate de uma nova política de drogas leves para o país. A aprovação dependia do interesse de Gilad Erdan, Ministro de Políticas Públicas, do Likud. A comissão, formada por representantes do Ministério da Segurança Pública, do Ministério da Justiça, da Autoridade Antidrogas, da Polícia e especialistas do assunto, discutiu a questão a partir de uma proposta de lei para legalizar o consumo e cultivo de cannabis em Israel.


Com a criação dessa comissão, setores da sociedade civil também resolveram se organizar para pressionar as autoridades a mudarem a lei sobre o consumo de cannabis. Motivados por questões sociais importantes, uma revista digital chamada “cannabis” e um programa de televisão chamado “Tsinor Laila”, apresentado por Guy Lerer, assumiram a frente de batalha e passaram os últimos meses debatendo e pressionando pela legalização.


Como explica Lerer em sua exposição na comissão pela descriminalização no parlamento israelense, as principais motivações da campanha são facilitar o acesso a cannabis por pacientes com doenças crônicas - uso medicinal da erva - bem como não prejudicar a vida de milhares de jovens que são flagrados pela polícia com alguma quantidade e são fichados. De acordo com Lerer o número de casos de jovens presos é muito maior em pequenas cidades no interior do país e na periferia, ou seja, há uma repressão maior da polícia em cima de jovens de camadas socioeconômicas mais fracas.


Como no Brasil, os pobres pagam pela criminalização da cannabis mais que os ricos.   É importante notar que, desde 2009, pacientes com doenças crônicas já podem receber cannabis medicinal como tratamento. Contudo, o caminho não é fácil. Há poucos médicos autorizados a receitar o tratamento através do uso de cannabis e muitos pacientes demoram anos para receber a autorização (caso venham a receber). A partir do momento em que portam a autorização, compram a erva em lojas das poucas empresas que detêm o direito de cultivar cannabis no país. O tratamento é subsidiado. Como todo remédio comprado com receita, o governo paga a maior parte do valor e o paciente o restante.


Desde o final da década de 1960 o país começou a pesquisar sobre o plantio da cannabis e hoje se tornou um dos líderes no desenvolvimento e cultivo da erva. Discute-se até a possibilidade de exportação do produto para outros países. Hoje, há nove fazendas de cannabis em Israel e uma reforma feita pelo Ministério da Saúde ano passado abriu o mercado, dando a possibilidade para qualquer cidadão abrir uma fazenda de cultivo de cannabis, desde que seja aprovado pelo ministério.


A decisão da comissão parlamentar que se tornará lei e possivelmente entrará em vigor em três meses muda a relação do Estado com o usuário mas continua levantando muitas questões. De acordo com o ministro de Políticas Públicas, Gilad Erdan, Israel está caminhando para uma descriminalização responsável. Em três meses, quem for flagrado com pequena quantidade de maconha não será mais fichado pela polícia. Receberá uma multa (o valor ainda será definido). Caso seja flagrado pela segunda vez, o usuário receberá outra multa (o dobro da primeira) e não será fichado. No terceiro flagrante - além do “certificado de azarado” - o usuário só será fichado caso a polícia ache necessário. Porém, caso tenha carteira de motorista e porte de armas, poderá perder as licenças.


Menores de idade serão encaminhados para tratamento, caso sejam flagrados pela primeira vez. Se forem flagrados, poderão, ou não, ser fichados. Novamente de acordo com a decisão da polícia. O dinheiro que será recolhido com as multas dadas pela polícia será destinado para políticas de educação e tratamento de usuário de cannabis. Essa postura mostra um passo importante, já que o uso de cannabis deixa de ser tratado como crime e passa a ser tratado como uma questão de saúde.


Durante todo o período da campanha pela descriminalização da cannabis, o ministro Erdan foi sempre marcado pelo seu conservadorismo e posição contra qualquer tipo de política que fosse no sentido de legalizar a droga. Contudo, ao longo do processo, Erdan foi mudando de opinião. De acordo com ele, ao longo de sua vida, “conheceu muitas pessoas que eram usuárias de cannabis e não tinham nenhum histórico de violência ou crimes, e não poderiam ter suas vidas destruídas com uma ficha na Polícia”. O ministro também ressalta que esse foi um primeiro passo. O ministério continuará monitorando o número de usuários de cannabis e, caso não haja uma diminuição, poderá ser discutida uma nova lei que avance para legalizar também o uso recreativo da erva.


Até agora falamos de consumo, mas não falamos de plantio. De acordo com a nova lei, o plantio ainda será proibido. O ministro não abre mão disso. Contudo, como um dos objetivos da lei é coibir o uso de cannabis em espaços públicos, a polícia dificilmente entrará na casa de usuários para procurar drogas. Não serão mais vistos como criminosos. Importante notar que, recentemente, tribunais não condenaram com prisão usuários que foram pegos com pequenas quantidades de pés de maconha em casa. Suas penas foram convertidas em multas e trabalhos comunitários. E então? A nova lei é boa ou ruim para os usuários?


Há motivos para comemorar mas também preocupações antigas vêm à tona. A revista “Cannabis” elencou seis motivos para comemorar. 1 - Como dito pelo ministro Gilad Erdan em sua entrevista coletiva, a polícia se concentrará em coibir o uso em espaços públicos, ou seja, não entrará em propriedades privadas. 2 - A Polícia não sairá distribuindo multas para os usuários nas ruas. De acordo com a revista, os policiais não “andam com bloco de multas e não gostam de multar”. 3 - A Polícia não poderá mais entrar na casa dos usuários para procurar drogas. Como o consumo deixa de ser crime, o flagrante não existe. 4 - Usuários que foram fichados no passado por consumo de cannabis poderão “limpar” suas fichas. A lei é retroativa. 5 - Apesar do plantio não ser permitido pela nova legislação, caso alguém seja flagrado com um ou dois pés de cannabis em casa e seja levado a julgamento, o advogado poderá argumentar que é consumo próprio e dificilmente acontecerá algo com o usuário. 6 - As pessoas não terão suas vidas destruídas por conta de uma ficha policial. Teremos que esperar e avaliar como será a relação da força policial com o usuário.


Será que farão como o ministro disse e não distribuirão multas ao seu bel prazer? Será que o consumo será tratado como mais uma fonte de renda para os cofres públicos? Qual será o valor da multa? Ouvi dizer que a multa poderá ser de 1000 shekels, cerca de 1100 reais. Em seu depoimento na comissão parlamentar, o apresentador Guy Lerer afirma que na periferia o número de jovens que é fichado pela Polícia é maior do que nos grandes centros urbanos. Essa é uma questão social séria. Será que isso também será refletido no número de multas aplicadas?


Não há dúvidas que a lei, que entrará em vigor em três meses, trará mudanças significativas na relação do estado com o usuário de cannabis. O estado passa a intervir menos em espaços privados e particulares onde o cidadão poderá usar a erva sem interferência policial. Não poderá ser preso em flagrante. Mas o plantio continua ilegal, e a venda também. O governo e setores conservadores da sociedade sucumbiram à pressão de mais de 15% da sociedade israelense que usa cannabis para fins medicinais e/ou recreativo.


Não havia mais condição de dizer que mais de 1 milhão de usuários de cannabis no país são criminosos. Estamos entrando em um período experimental. Os resultados poderão ser avaliados em pouco mais de um ano. Já há vozes na sociedade que dizem que temos que avançar para a legalização da cannabis, não só a descriminalização. Isso representa venda controlada pelo governo, impostos, empregos, possível liberação do cultivo. Enfim, outra ideia, outra lei, outra discussão e outro artigo.


Por fim, deixo aqui o chamado para quem estiver em Tel Aviv no dia 4 de fevereiro a participar da grande manifestação festiva pela descriminalização. Quando a manifestação foi marcada a lei ainda não havia sido aprovada. Com a aprovação, virou comemoração. Finalmente, parece que estamos caminhando para aproximar o povo daquilo que a Torá já dizia:


“וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים, הִנֵּה נָתַתִּי לָכֶם אֶת-כָּל-עֵשֶׂב זֹרֵעַ זֶרַע אֲשֶׁר עַל-פְּנֵי כָל-הָאָרֶץ, וְאֶת-כָּל-הָעֵץ אֲשֶׁר-בּוֹ פְרִי-עֵץ, זֹרֵעַ זָרַע”

(בראשית, פרק א, פסוק כט)


“E disse Deus: Eis que eu vos dei toda a erva que tenha semente, que está sobre a face de toda a terra, e toda árvore, na qual é fruto de uma árvore que dá semente. (Genenis 1:29)  


Fontes:



Foto - Steve Marcus, 2022. YIVO Archives


Artigo publicado em 28 de janeiro de 2017

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