Originalmente publicado em 06/11/2022, no Conexão Israel.
Pode parecer estranho ler estas palavras, mas a esquerda foi a força propulsora para criação e estabelecimento do Estado de Israel. A esquerda sionista, esclarecendo. Desde o início da década de 1930 até o final da década de 1970, o movimento sionista socialista comandou a Agência Judaica, braço executor do sionismo na Palestina até então, e a partir de 1948, o Estado de Israel. Sua primeira derrota foi apenas em 1977, tendo retornado ao poder nos anos 1980 em governos de união, e nos anos 1990. Seu último momento de destaque comandando o país se deu em 2001, e desde então, partidos de esquerda, na melhor das hipóteses, fizeram parte de coalizões ocupando o Ministério da Defesa (2006-2013), ou lideraram a oposição (2015-2019). E hoje, em 2022, possuem quatro de 120 cadeiras na Knesset (parlamento), e só.
O sionismo socialista estabeleceu as bases do Estado e criou as principais instituições vigentes até os dias de hoje. Construiu o modelo de Estado de bem-estar social (que vem sendo destruído gradualmente nos últimos 30 anos), tal qual a própria democracia israelense. O próprio exército israelense (FDI) teve como principal base as milícias existentes antes da criação do Estado de Israel, pertencentes à esquerda.
Construir um país em menos de 100 anos, promovendo a imigração massiva, absorvente estes imigrantes e dando-lhes condições de vida razoáveis (mesmo a grande maioria que chegava sem absolutamente nada), trabalhando o reconhecimento da legitimidade do movimento junto às grandes potências o, tudo isso em um cenário de permanente confronto com as populações árabes (internas e externas), mostra o estrondoso sucesso do empreendimento sionista nas mãos dos socialistas em suas primeiras décadas. Mais ainda quando se observa avanço social do país, onde praticamente não existe analfabetismo, a educação pública é gratuita desde os três anos, há um sistema de saúde pública forte, todas as universidades estão posicionadas entre as mais bem conceituadas do mundo, e o salário mínimo é de 1,3 mil dólares. Por essas e outras, o termo “socialismo” em Israel não é amaldiçoado como é por uma ampla parcela da população de outros países, como os EUA e o Brasil. Mas, mesmo assim, a esquerda israelense perdeu completamente a sua relevância ao longo da história, e hoje ela praticamente desapareceu. Como isso aconteceu? Tentarei responder neste artigo, ainda que o tema mereça uma tese.
Breve contexto
No ano da declaração de independência do Estado de Israel, o espectro político israelense do país contava basicamente com três correntes políticas: o Partido Trabalhista (Mapai), o Partido Sionista Socialista (Mapam) e o Partido Comunista (Maki). Enquanto os dois primeiros integravam o movimento sionista, o terceiro estava ligado diretamente ao Komintern e era um partido não-sionista, e jamais integrou nenhuma coalizão governista em Israel. Mas não era só o Maki que se alinhava com a URSS: o Mapam declarou sua intenção de tornar Israel um país que integrasse o bloco socialista sob a batuta soviética, enquanto o Mapai optou pela neutralidade na guerra fria (como eu mostrei nesta resenha). Tal diferença fez com que o Mapam, segunda maior força política de Israel nas suas primeiras eleições (1949), ficasse na oposição de um governo comandado pelo Mapai. Não duraria muito este isolamento: Mapai e Mapam se uniriam na década seguinte, chegando a disputar eleições em uma lista conjunta até as eleições de 1988 (Maaraj).
Havia diferenças entre o Mapam e o Mapai, sobretudo no que dizia respeito à relação de Israel com os árabes palestinos. O Mapam, inicialmente, era a favor de que o Estado judeu fosse binacional, enquanto o Mapai advogava pela separação das populações. Mas até os anos 1970, tal temática estava totalmente distante da agenda dos partidos políticos israelenses. Não havia a perspectiva de acordo com os palestinos. Eram raros os israelenses que reconheciam os palestinos como um povo com aspirações nacionais, e a preocupação de Israel era muito maior com seus inimigos externos (sobretudo Egito e Síria). As quatro primeiras guerras de Israel foram comandadas a mão forte pela esquerda, e a única diferença relevante até então entre a esquerda e a direita sionista em relação ao conflito com os árabes, era a intenção da direita sionista de anexar a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e a Jordânia inteira, enquanto a esquerda não possuía aspirações expansionistas.
Então qual era a agenda do dia? A construção do Estado. Receber mais de um milhão de imigrantes em 20 anos, por exemplo, em sua maioria pobres e sem educação secular. Pavimentar ruas e estradas. Construir uma rede de saneamento básico nacional. Criar um sistema de ensino público nacional, que construísse um novo cidadão hebreu, desapegado à fraqueza acumulada por anos de vulnerabilidade na diáspora. Formar um sistema de saúde pública adequado. Industrializar o país. Produzir alimentos para driblar o boicote dos países árabes. E, claro, garantir a sobrevivência do país por meios militares, uma vez que Israel estava em estado de guerra com quase uma dezena de países (segue até o dia de hoje).
O Mapai começou a perder credibilidade não pelo trauma da Guerra de Yom Kippur (1973), cuja atuação dos governantes foi massacrada pela maioria da população. Mas sim pela insatisfação de setores da sociedade, que não gozavam de melhorias sociais no mesmo ritmo que outros. Me refiro, sobretudo, aos judeus orientais, oriundos de países do norte da África de do Oriente Médio, negligenciados pelo Estado, sobretudo em comparação aos judeus ashkenazitas (de origem europeia). Isso se viu de diversas maneiras, e gerou uma crise sem precedentes nos anos 1970, que culminou na eleição de Menachem Begin (Likud) para o comando do país em 1977.
Após sete anos devastadores para o modelo de Estado construído pela esquerda, o Maarach volta ao poder em 1984, mas em um governo de união nacional com o Likud. Tal governo dura seis anos, e o Likud comanda o país sozinho até 1992, quando o Avoda (novo Partido Trabalhista, desdobramento do Mapai) vence as eleições comandado pelo ex-general Isaac Rabin. O Mapam também se reinventou, unindo-se ao Ratz , movimento pró-direitos humanos, formado por intelectuais de grandes centros urbanos, e o Shinui, cuja a principal bandeira era a separação entre religião e Estado. Esta fusão entre os três partidos gerou o Meretz. Nas eleições de 1992, o Avoda fez 44 cadeiras e o Meretz, terceira força da Knesset, fez 12. Este resultado jamais se repetiria.
Avoda e Meretz estiveram juntos no último governo comandado pela esquerda (2000-2001). Desde então, o Avoda integrou alguns governos, comandados por partidos de centro e de direita, enquanto o Meretz permaneceu na oposição até 2021. O chamado “governo de mudança”, formado a partir de uma coalizão heteróclita de sete partidos, incluindo grupos de direita laica e religiosa, de centro secular, esquerda sionista e até mesmo um partido árabe islâmico, sofreu com suas contradições e resistiu pouco mais de um ano. O objetivo era, nada mais, nada menos, do que tirar Benjamin Netanyahu do poder, e isso foi o que juntou forças tão antagônicas. Sobre o resultado deste processo, falaremos a seguir, mas já dou um spoiler: foi o canto do cisne da esquerda sionista tradicional, o ponto final de um processo que já vinha se desencadeando há décadas.
Para explicar este processo, dividirei este artigo em tópicos, que não necessariamente seguirá uma ordem cronológica de fatos, até porque há fenômenos ocorrendo simultaneamente durante todo o tempo.
1. As questões étnico-religiosa e de classe
A primeira grande crise da esquerda sionista se deu nos anos 1970, como já foi mencionado aqui. A desconfiança gerada após a posição vacilante na Guerra de Yom Kippur não foi suficiente para apagar os 40 anos anteriores, com as incríveis vitórias militares de 1948 e 1967. Já o desdém descarado do governo Golda Meir para com os manifestantes orientais, chamados Panteras Negras (marroquinos, em sua maioria), foi o estopim de uma situação que já vinha gerando desconforto há tempos.
Ainda que não tivesse a adesão da maioria das comunidades judaicas, até a Segunda Guerra Mundial o sionismo era um movimento conhecido pelos judeus europeus. O movimento surgiu na Europa, era inspirado em movimentos nacionalistas seculares europeus, e adquiriu formatos diversificados por forte influência do que acontecia na Europa. No mundo árabe, onde viviam cerca de 20% dos judeus do mundo em 1939, o nacionalismo ainda não era popular entre boa parte da população, e era dotado de características muito distintas da Europa. Boa parte judeus orientais (mizrachim) chegaram a Israel sem sequer tomar conhecimento prévio do que era o movimento sionista. Sua vinda ao país era em ocasião de perseguições nos países onde viviam, sobretudo por reação aos avanços do movimento sionista e seu conflito com os árabes palestinos. Em outras palavras, o sionismo lhes trouxe uma situação desconfortável em regiões onde habitavam há centenas de anos, e lhes exigia agora uma adesão total ao novo Estado, de cuja construção não haviam sido parte.
Ainda assim, o papel desempenhado por estes imigrantes na construção do Estado de Israel foi crucial: foram mão de obra para indústria e agricultura, soldados e oficiais, espiões do Mossad, e tudo mais que se exigia. Aprenderam hebraico e foram leais à pátria, e compreenderam os anos de pobreza extrema que caracterizaram o país na sua primeira década de existência e aceitaram o período de austeridade. E votavam, em grande parte, no Mapai. Tinham a David Ben-Gurion como exemplo de líder e apoiavam o Estado de bem-estar social em construção.
Seu afastamento e desconfiança para com a esquerda sionista se deu gradualmente, por quatro fatores. O primeiro, a discriminação sofrida em relação aos ashkenazitas, que se deu nos âmbitos étnico e social. A ascensão social dos judeus ashkenazitas era muito maior e mais veloz do que a dos judeus orientais. Isto se deve a vários fatores: (a) a proximidade política de famílias ashkenazitas com o poder, uma vez que a imensa maioria dos que ocupavam altos postos no poder eram ashkenazitas; (b) a proximidade social e cultural destes mesmos judeus ashkenazitas com as elites econômicas e intelectuais, que lhes permitiam o acesso a melhores empregos e vantagens e benefícios, o que dificilmente acontecia com um judeu oriental; (c) o baixo número de casamentos mistos, sobretudo devido ao racismo dos judeus ashkenazitas, que em partes consideravam os judeus orientais mal educados e de cultura selvagem e pobre.
Além destes fatores, pesam a favor deste rompimento outras duas questões, relacionadas à religiosidade, por um lado, e ao conflito com os árabes, por outro. Os judeus orientais não viveram as revoluções culturais pelas quais passaram os judeus ashkenazitas na Europa durante o século XIX. No mundo árabe, o judaísmo se manifestava de forma ortodoxa light. Os judeus seguiam os mandamentos, de forma não radical, e desconheciam o secularismo e o reformismo. Simultaneamente, na Europa os judeus passavam por divisões profundas, consequência da emancipação e do advento da cidadania. Surgiram em menos de 100 anos os judaísmos reformista, conservador, ultraortodoxo e o secular. O sionismo foi desenvolvido majoritariamente por adeptos desta última corrente, seja na direita, no centro ou na esquerda, entre liberais ou socialistas. O Estado que estava sendo desenvolvido seria laico, se dependesse exclusivamente dos membros do Mapai e Mapam. Viam a religião sob uma ótica marxista, e sua tarefa era eliminar a superstição do processo de formação do novo hebreu. Para os judeus orientais, praticamente forçados a aceitar o rompimento com a tradição de forma instantânea, quase que obrigados a optar pela identidade israelense em detrimento da judaica, isso soava como heresia. Foram as segunda e terceira gerações que se rebelaram contra esta ruptura, quando se sentiram empoderadas e numerosas o suficiente para desafiar a opressão laica ashkenazita da esquerda.
Tudo isso se complica ainda mais, quando levantamos a questão demográfica. Mas antes, um esclarecimento. Há muitos judeus orientais que votam em partidos de centro e esquerda, como há muitos ashkenazitas que votam na direita. A regra, no entanto, é o oposto disso acima. E a prova cabal é a votação por cidade: os municípios cuja população pertence à classe média e à elite e têm maioria ashkenazita, votam expressivamente na centro-esquerda, enquanto as cidades mais pobres e de maioria oriental, votam na direita. Se a cidade tem muita imigração recente da ex-URSS (foram mais de um milhão, em sua maioria nacionalistas e pouco apegados à esquerda), os votos são na direita. Se tem muitos ortodoxos, os votos majoritariamente são direcionados para partidos ortodoxos. O mesmo vale para árabes israelenses, beduínos, e ultraortodoxos. O voto em Israel, desde 2013, pelo menos, é amplamente setorial, e são raros os que admitem mudar de voto drasticamente. E há também um problema na taxa de natalidade, que dificulta a situação da esquerda: além da imigração de um milhão de judeus da ex-URSS, que deu à direita uma votação expressiva, há também o fato de que os ortodoxos e, em especial, os ultra-ortodoxos terem muito mais filhos do que os seculares e tradicionalistas, em média. Enquanto a média de filhos por mulher adulta em Israel é de 2,89, o de famílias ultraortodoxas é de 6,1. É óbvio que isso não explica o porquê de o Avoda ter perdido votos para os partidos de centro, mas, de alguma maneira, mostra o enfraquecimento da esquerda como um todo.
Por fim, o conflito: a memória que os judeus orientais tinham e têm dos árabes em seus países de origem, é totalmente hostil. Grande parte destas populações haviam passado pelo trauma dos pogroms em suas comunidades nos 10-30 anos anteriores à sua imigração a Israel. Seu lugar de pertencimento histórico tornar-se-ia uma maldição. Muitos haviam perdido familiares, mortos em ações antissemitas. A maioria havia perdido bens, empregos, patrimônio, fora as humilhações pelas quais haviam passado. Ao chegar em Israel e ver um país que combatia exércitos árabes (com relativo sucesso), esta população rapidamente se identificou com a FDI, com a política ativista de Ben-Gurion e Moshe Dayan, o que facilitou a sua integração na sociedade. Na década de 1970, no momento em que setores da esquerda começam a solidarizar-se com os palestinos, vivendo sob a opressão gerada pela ocupação, é provocada uma reação. A revolta aumente sobretudo durante os Acordos de Oslo, quando Israel negocia com a OLP, que tanto havia combatido Israel, em grande parte através de ações terroristas. Boa parte da população judaica oriental rompe de vez com a esquerda. Aprofundaremos mais adiante.
O pesquisador Avishay Ben-Haim alega a identidade de preteridos dos judeus orientais criou uma “segunda Israel”, deslegitimizada pela “primeira Israel”, dos ashkenazitas, intelectuais e membros das elites. A segunda Israel guarda rancor pela discriminação que sofreram e seguem sofrendo no país, e trata-se, segundo Ben-Haim, de um movimento popular que enfrenta as elites brancas. Esta tese é muito debatida em Israel nos dias de hoje, e parte do seu desdobramento explica, inclusive, como os judeus orientais votam e se identificam com Netanyahu, um judeu ashkenazita, rico, filho de um professor universitário e que cresceu nos EUA e foi aceito nas unidades de elite na FDI. Mas isso ficará para outro artigo. O fato é que a “segunda Israel” elegeu seu inimigo: a esquerda sionista, que ridicularizou suas tradições religiosas, sua educação milenar, sua capacidade, seus valores e sua identidade judaica e sionista. E este ressentimento existe.
2. A crise do socialismo
A denúncia dos crimes de Stalin foi o primeiro golpe ao sionismo socialista, sobretudo ao Mapam (uma vez que o Mapai já havia se distanciado de Stalin desde 1951). O rompimento de Israel com a URSS acabou por aproximar o país dos EUA (ainda que este tenha recusado esta aproximação durante as duas primeiras décadas de existência de Israel) e do bloco capitalista em geral. Nos anos 1970, a esquerda israelense desejava se aproximar da social-democracia europeia, mas a solidariedade destes aos palestinos ocupados tornava esta tarefa árdua.
A vitória de Begin, em 1977, foi um golpe crucial para o sionismo socialista. Não que a administração Begin tenha representado um período de grande progresso econômico e social de Israel, muito pelo contrário: após os seis anos de Begin houve aumento do desemprego, hiperinflação e a maior crise econômica dos últimos 20 anos. A pá de cal no movimento sionista socialista foi o fechamento da torneira de recursos despejada nas instituições ligadas à esquerda sionista. O governo Begin aumentou os juros dos empréstimos dos bancos públicos aos kibutzim e cortou drasticamente os recursos das empresas pertencentes à Histadrut (central sindical do país, ligada ao Mapai), gerando uma onda de privatizações nos anos seguintes, desemprego de quadros importantes do Mapai e uma crise econômica sem precedentes à esquerda sionista.
Cambaleando desta maneira, a esquerda israelense teve de lidar com a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS. Este último foi um golpe em todas as esquerdas do mundo, praticamente, e acelerou ainda mais o processo de privatização das instituições que ainda eram tocadas sob a ótica do socialismo no país.
Os partidos da esquerda sionista, então, passaram a lançar mão de políticas sociais-liberais. Se em um princípio, nem Mapai nem Mapam eram adeptos do liberalismo, dos anos 1980 em diante estes partidos (e sobretudo seus desdobramentos) se afastariam cada vez mais das suas bandeiras históricas, inclusive tocando processos de privatizações nunca antes realizados em Israel.
3. O assassinato de Rabin e o fracasso dos acordos de paz
A esta crise, no entanto, a esquerda israelense reagiu rapidamente. Como diz o filósofo e historiador Micha Goldman, ela substituiu a solidariedade e identidade de classe pela solidariedade entre os povos, e de socialista a esquerda sionista passou ao pacifismo. A esquerda deu respostas à crise causada pela Primeira Intifada (1987-91) muito mais concretas e otimistas do que a direita, e isso levou Avoda e Meretz ao poder em 1992. Este governo costurou os Acordos de Oslo, a paz com a Jordânia, o estabelecimento de relações diplomáticas com Marrocos, Turquia e de relações comerciais e estratégicas com uma série de países árabes ou de maioria muçulmana. Através dos Acordos de Oslo, o Estado de Israel reconheceu a OLP, até então inimiga de Israel, como legítima representante do povo palestino, e lhes deu autononia civil sob parte importante da Faixa de Gaza e da Cisjordânia (praticamente toda a população palestina). Este acordo foi duramente combatido pela direita sionista, que em parte chamava Rabin e Shimon Peres de traidores, terroristas e até de nazistas. Gerou um racha na sociedade que só foi se radicalizando desde então. O assassinato de Rabin impediu que soubéssemos que fim teria o processo iniciado naquele momento, e foi um duríssimo golpe à esquerda sionista.
Houve outra oportunidade quando o Avoda voltou ao poder em 2000, e o governo trabalhista, pela primeira vez na história, propôs à OLP a criação de um Estado palestino. O acordo não foi consumado por discordâncias entre os dois lados, o que gerou uma descrença na população israelense sobre a real possibilidade de paz com os palestinos. A esquerda jamais voltou ao poder após este fracasso.
Outros projetos foram levados à cabo com o apoio da esquerda, ainda que não fossem as suas propostas originais. O principal deles, a desconexão da Faixa de Gaza, quando em 2005 Israel retirou todas as colônias judaicas e militares da região de maneira unilateral. O domínio da região pelo Hamas e o aumento dos foguetes lançados contra Israel geraram ainda mais descrença na população com o passar dos anos.
De 2009 em diante, Benjamin Netanyahu, na condição de primeiro-ministro, faz de tudo para tornar a questão do Estado palestino um tema secundário, tratando-o como impossível (não temos parceiro), escondendo da comunidade internacional sua real intenção (não criar um Estado palestino), e acostumando a sociedade israelense de que este não é um tema vital. Com relativo sucesso, Netanyahu substituiu a solução de dois Estados pela administração do conflito, e parece ter convencido a maior parte da população de que não viveremos melhor do que estamos hoje. A complacência da comunidade internacional, que não pressiona Israel como antes, o ajuda, e faz com que o discurso da esquerda seja ainda menos relevante neste aspecto.
4. O elitismo e a união com os conservadores
Como dito no tópico de número 2, a esquerda sionista adquiriu contornos liberais com o passar do tempo. Não só privatizações de serviços públicos foram tocados pelo governo Rabin, como as liberdades individuais ganharam destaque maior do que a luta contra a desigualdade social e a pobreza.
O Meretz, por exemplo, jamais teve como prioridade ações de combate à desigualdade. A luta contra a ocupação, contra a discriminação aos árabes, por uma maior fiscalização de violação aos direitos humanos, é a principal bandeira do partido desde 1992. Com o passar do tempo, questões que envolvem a separação entre religião e estado e a luta por direitos de minorias (em especial da comunidade LGBTQ) foram tomando a dianteira no partido. Certamente é papel de um partido da esquerda democrática lutar por estas pautas, é um sinal de amadurecimento. Mas também poderiam ser pautas de partidos da direita liberal, uma vez que são trabalhadas de forma totalmente isolada do desmonte do Estado e o fim do estado de bem-estar social. O Meretz, assim, passou a ser um partido liberal, com grande apoio nos centros urbanos de maioria ashkenazita (como Tel-Aviv, onde o partido figura sempre entre os mais votados), gerido e apoiado por uma intelligentsia e por uma classe média alta (que muitas vezes se misturam), vistas como arrogantes e desconectadas da periferia e da realidade da maioria dos cidadãos. E o Meretz sequer se esforça para ser um partido popular no meio judaico. A campanha e o trabalho de base nas periferias é nulo, e sua oposição à religião (e não aos líderes religiosos conservadores) os afasta da população mais pobre entre os judeus. E quando o partido teve de optar entre seguir sendo um partido voltado ao público judaico, ou se mudaria para uma lista judaica-árabe, optou pela primeira opção. É certo que o Meretz sempre teve representantes árabes no seu alto escalão. Mas eram um ou dois intelectuais árabes, que não representavam uma grande mudança no eleitorado, pois tampouco entre os árabes cidadãos de Israel o Meretz faz trabalho de base.
No Avoda a crise é semelhante, mas o processo foi um pouco distinto. O partido ainda gozava, até alguns anos, de eleitores das periferias. Em 2006 elegeu pela primeira vez na sua história um líder judeu oriental, o marroquino Amir Peretz, até então presidente da Histadrut. Ele angariou boa parte dos votos da direita naquelas eleições, integrou o governo comandado pelo partido centrista Kadima, mas ficou manchado por uma gestão desastrada na Segunda Guerra do Líbano (2006). Ele foi eleito propondo mudar a pauta do partido para a questão social, e terminou por aceitar ser ministro da Defesa, cargo para o qual não tinha nenhuma experiência, preparo e credibilidade. O Avoda chegou a ser cair até chegar à terceira força da Knesset entre 2009-2015, quando se recuperou através de uma união com um partido de centro. Mas a falta de lideranças convincentes, a fraca oposição feita aos governos Netanyahu e as brigas internas levaram o partido a sucessivas crises. A troca de comando no Avoda é constante, a atual líder do partido (Merav Michaeli) foi a primeira a ser reeleita para o posto desde a década de 1980. O trabalho de base praticamente não existe desde que a Histadrut perdeu relevância. O flerte constante com a direita também é problemático, e a indefinição do que o partido pretende ser o mata paulatinamente. Ora o partido quer dar uma guinada à esquerda, transformando-se numa espécie de New Labor, ora quer aproximar-se do centro, evocando suas lideranças militares e militaristas históricas e sua tendência ao pragmatismo. Aos poucos, o partido que mais vezes comandou o país, foi perdendo relevância, e desde 2019 não ultrapassa as 7 cadeiras. Por pouco ultrapassou a cláusula de barreira em 2022.
Meretz e Avoda recebem sua maior votação em centros urbanos ashkenazitas e kibutzim, e, ainda assim, cada vez menos. São eleitores intelectualizados, de classe média alta, muito preocupados com a democracia israelense. Durante a pandemia, partes destes eleitores protestaram para que os lockdowns coordenados pelo governo Netanyahu não ferissem suas liberdades individuais. Trata-se de uma elite liberal, solidária para com os árabes, sobretudo com os palestinos, mas sem conexão com os judeus de classe média baixa e pobres, com repulsa à população ortodoxa e sobretudo ultraortodoxa, que é, no caso, o setor mais pobre dentre os judeus israelenses.
Em 2021, Meretz e Avoda decidiram dar um fim ao seu período na oposição e foram partícipes do “governo de união”, que ajudou a derrubar Netanyahu do poder. À indefinição de uma pauta principal dos partidos, se somou à luta contra a corrupção de Netanyahu. Derrubá-lo passou a ser uma obsessão para grande parte da sociedade, e foi se tornando cada vez mais razoável aos olhos de mais gente quando Netanyahu passou a aliar-se a quadros racistas, neofascistas, extremistas religiosos, quando não era ele mesmo quem lançava mão dessa retórica. Foi então formada uma coalizão composta por partidos de quase todo o espectro político israelense, com a direita religiosa (Yamina), partido árabe islâmico (Ra’am), partidos de centro (Azul e Branco e Yesh Atid), direita liberal (Nova Esperança), direita nacionalista (Israel Nossa Casa) e a esquerda sionista (que tinha 13 das 61 cadeiras da coalizão).
Em prol de afastar Netanyahu e a extrema direita, Meretz e Avoda consentiram com dar o comando do país a Naftali Bennett um direitista radical, totalmente contrário à ideia da criação de um Estado palestino e ex-diretor geral do Conselho Yesha, o movimento do lobby das colônias na Cisjordânia. Deram as pastas da Justiça, da Habitação, da Educação, da Agricultura, do Interior e das Finanças aos membros da direita do governo. Em nome da governabilidade, votaram a favor de um orçamento neoliberal, de uma reforma na agricultura que pode prejudicar os agricultores locais, da manutenção da lei militar nos territórios, engoliram sapos quanto à construção de assentamentos, ao não enfrentamento a grupos radicais de colonos, além de concordarem com não promover leis que alterem o status quo de religião e estado (por exemplo, abrindo mão de instituir o transporte público nos sábados, ainda que parcialmente), entre outras coisas. Entre o pouco que fizeram, estão algumas canetadas, como a criminalização da cura gay e a permissão de barriga de aluguel para casais homossexuais.
O filósofo Vladimir Safatle, em um artigo publicado em 2019 (leia aqui), critica o ideal das frentes amplas heteróclitas quando obrigam a esquerda a abrir mão de suas pautas. Ele cita a união de diversos partidos italianos contra Berlusconi, que resultou na irrelevância da esquerda na Itália, um dos países com maior tradição de partidos de esquerda fortes após a Segunda Guerra Mundial. O fenômeno se repetiu de forma quase idêntica em Israel.
5. Conclusão: A estupidez estratégica e o golpe final
O enfraquecimento de Meretz e Avoda forçou uma junção das listas nas eleições de 2020. Para estas últimas eleições, houve pressão - e concordância do Meretz - para que as listas concorressem em conjunto novamente, a fim de que nenhum dos dois partidos esbarrasse na cláusula de barreira. A líder do Avoda, Merav Michaeli, foi intransigente e disse que não. Suponho que seu receio fosse que a lista conjunta resultasse em menos cadeiras para o Avoda do que o partido teria caso concorresse sozinho, uma vez que eleitores poderiam fazer voto útil para que o centrista Yesh Atid fosse o partido mais votado sem temer que Avoda e Meretz não ultrapassassem a cláusula de barreira. O argumento de Michaeli, no entanto, era outro: ela diz que as pretensões do Avoda são de voltar a ser o partido que comanda o país, e se vê como candidata a primeira-ministra. Isso não é balela. O jornalista Yossi Verter, do Haaretz, especialista em bastidores da política israelense, descreveu em sua coluna nesta sexta-feira (04/11/2022) uma série de conflitos estabelecidos por Michaeli com seus correligionários por ciúmes de Yair Lapid, além de rusgas entre ela e o próprio primeiro-ministro em exercício.
Verter alega que Zehava Galon, líder do Meretz, que saiu de sua aposentadoria para salvar o partido - e fracassou - tampouco era entusiasta da lista conjunta. Mas, ao contrário de Michaeli, foi seduzida por Lapid a aceitar a fusão, quando o primeiro-ministro lhes prometeu ministérios importantes, além da nomeação de membros dos dois partidos em lugares relevantes de sua lista para o caso do voto útil enfraquecê-los. Além, é claro, do medo de ser a primeira em 30 anos de Meretz a não ultrapassar a cláusula de barreira.
O ego entre os líderes dos partidos é grande, mas eventualmente o instinto de sobrevivência fala mais alto. A longo prazo, Michaeli poderia ter razão em sua estratégia. Se quer que seu partido volte a ser grande, ela deve ser a primeira a crer que pode alcançar grandes voos. Além disso, a junção com o Meretz, um partido muito impopular para boa parte da sociedade israelense, aumentaria a rejeição ao Avoda, segundo a sua concepção. Faz sentido? Faria, caso estivéssemos em 2002. Na realidade, não há absolutamente nenhuma diferença ideológica, de eleitorado nem de propostas que justifique a existência destes dois partidos separadamente. Zahava Galon tem mais diferenças com Yair Golan, um ex-general com quem disputou a liderança do Meretz, do que com Merav Michaeli. A disputa por separado era um risco, que Michaeli aceitou correr, pondo em risco o futuro não só do Meretz, mas de todo o bloco.
Michaeli, massacrada pela ampla maioria dos eleitores do bloco anti-Netanyahu, decidiu ir a público para defender a sua estratégia. E culpou Yair Lapid pelo fracasso dos dois partidos. Isso mesmo, leitor. Ela não assumiu responsabilidade sequer pelo desempenho do seu partido, atribuindo o erro a Lapid, seu suposto adversário pela liderança do bloco. Diz que Lapid optou pela campanha para primeiro-ministro, convocando o público a votar no seu partido para disputar o primeiro lugar com o Likud. Não sei o que você acha quando lê estas palavras, mas eu fico impressionado com a cara de pau. A campanha de Lapid não só era totalmente legítima, como evitou qualquer crítica aos dois partidos da esquerda durante todo o tempo. Seus apoiadores receberam instruções para não tentar convencer eleitores do Avoda e do Meretz a mudarem de voto. E se Michaeli disputava com Lapid a liderança do bloco, suas quatro cadeiras não representam um imenso fracasso de sua candidatura?
Mas Michaeli não prejudicou somente o bloco e o Meretz, em especial. Prejudicou seu próprio partido. Em Israel existe um mecanismo chamado “acordo das sobras”. Dois partidos podem assinar um acordo, no qual o menor dele cede seus votos que sobram na divisão proporcional pelos mandatos, ao maior partido, podendo, assim, agregar uma cadeira a um partido com o qual possam ter alguma identidade. Avoda e Meretz, como quase sempre, assinaram este acordo. Mas como o Meretz não ultrapassou a cláusula de barreira, seus votos foram desperdiçados. Como se não fosse o suficiente, o Avoda teve 3 mil votos a menos que o Israel Nossa Casa, mas também terminou com uma cadeira a menos. Ou seja, a votação obtida pelos dois partidos juntos era muito próxima das nove cadeiras, mas terminaram com apenas quatro. E Michaeli, no auge da sua petulância, criticou Lapid por não ter conseguido convencer os partidos de eleitorado árabe a assinar o mesmo acordo com o Israel Nossa Casa, de Avigdor Lieberman. Os partidos de eleitorado árabe jamais assinaram este acordo com um partido sionista, seria uma loucura pensar que o fariam com um partido da direita nacionalista, que até anteontem pedia a revogação da cidadania dos que não fossem leais ao Estado de Israel. Além do mais, se os votos do Israel Nossa Casa foram desperdiçados, isso se deve à estratégia de Michaeli. Caso Meretz e Avoda formassem uma lista conjunta, poderiam assinar o mesmo acordo com o Yesh Atid. O Yesh Atid, então, poderia liberar o Campo Republicano para assinar o acordo com o Israel Nossa Casa, que não teve com quem assinar.
Eu poderia discorrer sobre as campanhas fajutas dos dois partidos, também. O Meretz apostou em espalhar o medo na população: é ou Meretz na Knesset, ou ‘Ben Gvir no governo”. Pois, ainda que tivessem conseguido estes 4 mil votos que ficaram faltando, o Ben Gvir estaria no governo. Enquanto a direita prometia reformas, segurança, força contra os inimigos e estabilidade política, a esquerda espalhava temor e torcia pelo cenário de instabilidade, em outro empate que nos levaria a outras eleições. Ou, na melhor das hipóteses, na formação de outro governo frankenstein, no qual abririam mão de todos os seus princípios somente para garantir que Netanyahu e Ben Gvir não comandassem o país.
Mas, na realidade, a estupidez estratégica dos dois partidos somente serviu como um catalisador para o seu fim. A crise já tem duas décadas, e os sinais de desgaste eram evidentes. Um coach diria que, ao menos, abre-se uma possibilidade para o surgimento de uma esquerda popular, conectada às necessidades das classes subalternas e com o interesse da população. Uma esquerda que propõe o debate e a união entre os trabalhadores, que promove o diálogo entre judeus e árabes, entre ashkenazitas e orientais, entre religiosos e laicos. Mas, dependendo do que restar de país depois deste próximos anos, pode ser que essa esquerda, que já é tratada como ilegítima por muitos, seja até mesmo criminalizada.
Apêndice: O Hadash
Há um partido que representa uma corrente sobre a qual eu não falei neste artigo. Trata-se do Hadash, uma fusão dos anos 1970, cujo principal componente é o Maki, o Partido Comunista Israelense. Fundado por judeus, ao longo do tempo o Partido Comunista ganhou adeptos entre os árabes cidadãos de Israel, e foi durante décadas o principal partido de eleitorado árabe no país. Hoje existem quatro partidos de eleitorado árabe em Israel, mas o Hadash é o que goza da melhor estrutura, da mais ampla organização e de mais recursos. Mas o Hadash também passou por uma crise recentemente.
Não me aterei à crise do socialismo, causa óbvia da decadência de todos os PCs no mundo. O Hadash, no entanto, não sofreu tanto com o contexto, pois há tempos era um partido setorial. Quase sempre, no entanto, o partido manteve entre seus quadros um judeu, quase sempre presente no parlamento. Cerca de 10% dos membros do Hadash são judeus, e se há um partido que tenta promover um diálogo árabe-judaico, este é o Hadash.
O divisor de águas foi 2014: uma lei proposta por Avigdor Lieberman aumentou a cláusula de barreira de 2% a 3,25%, dificultando a candidatura dos partidos de eleitorado árabe. Naquele momento, nenhum deles jamais tinha conseguido um percentual tão alto, e optaram por concorrer em uma lista conjunta nas eleições de 2015. A Lista Unificada era composta por Hadash (um típico partido de esquerda socialista), Balad (nacionalistas árabes), Ra’am (árabe-islâmico) e Ta’al (liberais árabes). O Hadash teve a liderança do bloco e o maior número de candidatos nos primeiros lugares da lista, justamente por ser o maior partido. A lista chegou a atingir 15 cadeiras em 2020, e Ayman Odeh, seu atual líder, quebrou tabus ao esboçar uma simpatia à ideia de quem sabe um dia talvez fazer parte de uma coalizão. E indicaram Benny Gantz para formar o governo, ainda que não admitissem ser parte do mesmo. Este foi o ponto de partida para a crise do partido.
O discurso de Odeh descontentou setores da Lista Unificada, em expecial o Balad. O partido nacionalista recusa qualquer possibilidade de compor um governo com instituições sionistas, e tem o boicote às instituições judaicas como método histórico. Historicamente apoia a resistência armada e atentados terroristas, considerando seus autores “mártires”. A indisposição com o Balad foi o primeiro sintoma. O problema maior veio justamente de onde menos se esperava. O movimento islâmico (Ra’am) passava a perna na Lista Unificada e negociava com o governo Netanyahu um orçamento especial para a sociedade árabe, que chegaria principalmente nas comunidades onde o Ra’am era melhor votado. Mansour Abbas, líder do Ra’am, aproveitou a porta aberta por Odeh e a escancarou. Não só abria a possibilidade de cooperar com um governo de esquerda, como trabalhava para incorporar um governo chefiado por Netanyahu. Odeh jamais o perdoou pela traição e pelo oportunismo, e, a fim de marcar diferença, radicalizou o seu discurso para o outro lado. Votou contra os acordos de normalização entre Israel o os países do Golfo, passou a incorporar o discurso do Balad e considerar o assassinato de colonos obras de mártires, e afastou o Hadash dos 77% de judeus que habitam o país.
Mas não parou por aí: tal qual Meretz e Avoda no governo de mudança, o Hadash teve de abrir mão de uma série de bandeiras históricas, por um lado, e lutas progressistas, que o partido incorporava paulatinamente. Odeh e seus companheiros se complicaram com o seu eleitorado ao votar a favor da criminalização da cura gay. A sociedade árabe israelense é extremamente conservadora, a homofobia é quase que um consenso no discurso público neste setor. Somente parlamentares do Hadash votaram a favor desta medida, o que os opôs a seu próprio eleitorado. Ao invés de aproveitar a brecha para marcar posição, confirmarem suas convicções ideológicas e se aproximarem da população judaica, o Hadash se envergonhou da atitude de seus membros e silenciou o assunto. Agora, o partido não podia nem votar em suas pautas, nem esboçar uma relação com a sociedade judaica. O que os diferenciava dos outros?
E a cereja (estragada) do bolo foi a Lista Unificada, encabeçada pelo Hadash, votar a favor da derrubada do governo de mudança quando este entrou em crise. A Lista Unificada poderia ter dado a segurança para que o governo não caísse antes de votar determinadas leis que garantiriam que a direita apoiada pelos fascistas não entrariam no páreo com tanta força (como, por exemplo, a proibição de Netanyahu se candidatar sendo réu na Justiça). Mas o instinto do partido era combater o Ra’am, não permitir que o orçamento destinado às populações árabes graças à participação do Ra’am na coalizão não chegasse a tempo de Mansour Abbas colher os louros do seu feito. E, para derrotar politicamente o Ra’am, valia a pena colocar em risco o orçamento histórico destinado aos árabes-israelenses, os (poucos) progressos alcançados por este último governo e a própria democracia israelense.
Tal contradição colocou o Hadash em situação complicada eleitoralmente. O partido concorreu em conjunto com o Ta’al, chegando a cinco cadeiras nestas eleições de 2022. Recebeu 15 mil votos a menos que o Ra’am, e viram o Balad, historicamente o menor entre os partidos árabes, chegar aos 135 mil votos, quase alcançando a cláusula de barreira. O Hadash abriu mão de seus ideais para não disputar terreno com o Ra’am, radicalizou o discurso e não se deu conta que do outro lado estaria em desvantagem, pois a competição era com o Balad, o mais radical dos partidos árabes. Se o Hadash tem hoje representantes na Knesset, isso se deve à união com o Ta’al. Dificilmente o partido de Odeh alcançaria a cláusula de barreira caso competisse sozinho. Ao menos neste aspecto, o Hadash e o Ta’al foram mais pragmáticos que Meretz e Avoda. A pergunta agora é o que restará do Hadash. Como fazer uma oposição árabe de esquerda a um governo do qual parte dos membros afirma abertamente desejar criminalizá-los. Se sobrar alguma coisa do Hadash após este próximo governo, dificilmente será este o motor de renovação da esquerda em Israel.
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Fotos
Forto de capa: Kikar Malchei Yisrael Tel Aviv November 1995. Photography: Hayim Shtayer. Copyright: Hayim Shtayer 2008/Set: Yitzhak Rabin's Murder (https://www.flickr.com/photos/zeevveez/3008062247/)
Neot Mordechai Archive via the PikiWiki - Israel free image collection project (http://commons.wikimedia.org/)
Café em Tel-Aviv: Own Work (Autor: Uri.fre) https://commons.wikimedia.org/wiki/File:%D7%91%D7%99%D7%AA_%D7%A7%D7%A4%D7%94_%D7%90%D7%A1%D7%A4%D7%A8%D7%A1%D7%95_%D7%91%D7%A9%D7%93%D7%A8%D7%94.jpg
Hashomer Hatzair no Primeiro de Maio: PikiWiki - Israel free image collection project
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