Originalmente publicado em 29/11/2017, no Conexão Israel
Há exatos 70 anos, a Assembleia Geral da recém-fundada ONU aprovava por maioria o Plano de Partilha da Palestina em um Estado judeu e outro Estado árabe. Presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, a resolução proposta pela UNSCOP (United Nations Special Committee on Palestine, criada em 15 de maio de 1947) foi aprovada por 33 votos a favor, 13 contrários, além de 10 abstenções. Esta resolução foi o veredito final, que dava ao povo judeu o direito de estabelecer um Estado nacional na Terra de Israel, o que veio a ocorrer em 14 de maio do ano seguinte. Conheçamos um pouco dos bastidores desse momento histórico.
O sionismo e o fim da Segunda Guerra Mundial
O movimento sionista, desde 1881, já povoava a Palestina otomana de judeus, gradativamente. Cinco ondas de aliá levaram à Palestina mais de 400 mil judeus até 1939, número aumentado consideravelmente durante e depois da Segunda Guerra Mundial, por conta dos fugitivos do Holocausto e de refugiados, sobreviventes ao genocídio executado pelos nazistas. Em 1947, a população judaica na Palestina britânica já se aproximava dos 600 mil, e uma grande fila de espera se impacientava em campos de refugiados em toda a Europa. Essa fila de espera se estendia aos países recém independentes de maioria muçulmana, onde a população judaica sofria perseguições por ser associada ao sionismo e ao imperialismo europeu, estabelecendo um contraponto ao nacionalismo palestino com os quais movimentos nacionalistas árabes e muçulmanos se identificavam.
À estrutura criada pelo movimento sionista na Terra de Israel denominamos Ishuv: o Estado anterior ao Estado. O movimento sionista, ao longo desses quase 70 anos de colonização, havia fundado colônias agrícolas, kibutzim, vilarejos, cidades, além de toda uma infra-estrutura que contava com escolas, universidades, seguros de saúde, bancos, jornais, partidos políticos, milícias de defesa nacional, fundos de doação internacional, e muitas outras organizações, quase todas elas com vertentes públicas e privadas. De fato, o Estado judeu na Palestina já existia. Fazia-se necessário delimitar suas fronteiras e reconhecê-lo internacionalmente. A catástrofe do Holocausto, aliada à premeditada retirada dos britânicos agendada para maio de 1948, catalisou este processo, talvez não pelos meios ideais.
Planos de Divisão e esforços internacionais
Em 1937, uma comissão britânica liderada pelo Lord Peel já havia sugerido a divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe. Este plano foi aceito pelo movimento sionista, mas recusado pela liderança árabe (leia mais sobre a Comissão Peel aqui). Após o fracasso da proposta, durante nove anos ninguém voltou a falar oficialmente sobre a divisão da Palestina em dois Estados.
Em 1° de agosto de 1946, o executivo da Agência Judaica (presidida por David Ben-Gurion) reuniu-se em Paris, e aceitou internamente abrir mão de determinados territórios da Palestina britânica frente a um acordo de divisão do território reconhecido internacionalmente. A motivação por trás dessa iniciativa flexível era resolver o problema de centenas de refugiados do Holocausto, a quem o governo britânico negava-se a permitir a entrada na Palestina. Foi exercida pressão frente ao governo dos EUA, que pressionava os britânicos a emitir 100 mil vistos aos refugiados, sem sucesso. Tal medida resultou numa catástrofe política: crise diplomática entre o Reino Unido e os EUA, fúria dos árabes, além de uma crise interna no movimento sionista - que resultou na destituição de Chaim Weizmann de seu posto de presidente da Organização Sionista Mundial, por postura pró-britânica.
Frente ao fracasso dos esforços do movimento sionista em exercer pressão internacional sobre algumas potências, a saída seria permitir que as Nações Unidas se encarregassem da questão.
A partir do momento em que a decisão chegou às mãos das Nações Unidas, o movimento sionista foi obrigado a rever sua postura política: não era somente o apoio das potências ocidentais que interessava, países periféricos e potências orientais vieram a ser igualmente importantes. O objetivo primário foi convencer as demais nações a comparecerem à assembleia na ONU que debateria a questão. O governo dos EUA, que dava clara mostra de apoio ao movimento sionista, concordou de imediato. A surpresa positiva veio por parte da URSS, que não somente concordou em participar da decisão, como também demonstrava preocupação com a situação dos refugiados judeus e apoiava a sua imigração (ao menos parcialmente) ao país (LAQUEUR:1988, 432). Os apoios norte-americano e soviético foram suficientes para que as Nações Unidas se movessem.
A UNSCOP
Os territórios que formavam o Império Britânico passavam por um processo de descolonização acelerado após o fim da Segunda Guerra Mundial. Rapidamente as colônias britânicas tornavam-se Estados nacionais independentes, grande parte das vezes sem que fosse necessária uma guerra de libertação. No caso do território na Palestina, frente à disputa entre dois nacionalismos pelo mesmo território, os britânicos decidiram entregar o caso às Nações Unidas, para que tomassem uma decisão que não lhes comprometesse. Dessa maneira, em 15 de maio de 1947, a ONU decidiu criar a UNSCOP, um comitê formado por representantes de 11 países de diversos continentes, cujo objetivo era estudar o conflito nacional na Palestina e propor uma solução a ser votada em assembleia geral. Nenhuma das grandes potências esteve representada nessa comissão.
Representantes da UNSCOP percorreram o país, passando por povoados árabes e judaicos. Enquanto as organizações sionistas enviaram representantes e reuniram-se com os membros da UNSCOP, o movimento nacionalista árabe decidiu por boicotar a iniciativa, considerando a delegação pró-sionista. A UNSCOP reuniu-se com membros de diversos partidos do movimento sionista, e também com judeus antissionistas que habitavam a Palestina, como membros do Partido Comunista e judeus pertencentes a algumas correntes ultra-ortodoxas.
Após a variedade de opiniões escutadas, houve um racha na delegação: Índia, Irã e Iugoslávia (a minoria) posicionaram-se a favor de uma federação temporária (três anos), que englobasse toda a Palestina, e que cuidasse de questões relacionadas à política externa, imigração, defesa e economia. Esta federação teria seus líderes nomeados pela ONU (LAQUEUR: 1988, 434). A maioria dos países que compunham a comissão, no entanto, sugeria a partilha da Palestina.
As recomendações da UNSCOP foram publicadas em 31 de agosto de 1947. O chamado “Plano da Maioria” se baseava em dois Estados (um judeu e um árabe), no qual o Estado judeu ocuparia pouco mais de 50% do território (veja o mapa abaixo). Jerusalém e Belém estariam sob autoridade internacional. Os judeus, apesar de consistirem 30% da população, ficariam com a maioria do território. Leia a proposta da maioria aqui.
O Neguev foi um dos pontos mais debatidos e questionados durante a construção do mapa de partilha. O território era desabitado, menos de 1% da população da Palestina vivia na região, e em sua maioria eram árabes beduínos. Weizmann alegava que a saída para o Mar Vermelho seria fundamental para garantir a segurança do Estado judeu, e que o Neguev era fundamental de um ponto de vista estratégico. Além disso, durante a madrugada de Yom Kippur de 1947, 11 kibutzim foram levantados na região conhecida como “Portão do Neguev” (limite entre o Neguev e o centro do país), dando ao movimento sionista uma nova arma de barganha. Além da maioria do Neguev, o Estado judeu contaria com A Alta Galileia, os Vales do Jordão e de Jezrael, e a maior parte do litoral mediterrâneo. O Estado árabe contaria com a Galileia Ocidental, os territórios localizados a oeste do Rio Jordão, e a Faixa de Gaza ampliada (se prolongaria até uns 30 km de Tel-Aviv).
Reações
O movimento sionista rejeitou de imediato a proposta da minoria, e debateu calorosamente o plano de partilha. Ben-Gurion, diferentemente da discussão sobre a Comissão Peel, não precisou batalhar muito para convencer o executivo da Agência Judaica de que a partilha seria a melhor opção. Por outro lado, o movimento revisionista (direita sionista) e o Hashomer Hatzair (esquerda sionista, neste momento mais próxima ao stalinismo) não concordavam com a partilha. O primeiro grupo sustentava sua base ideológica em um direito histórico dos judeus pelas duas margens do Rio Jordão (ou seja, nem mesmo toda a Palestina era suficiente, como também o território da Jordânia e partes da Síria e do Líbano eram sua demanda). Já Hashomer Hatzair, neste momento, defendia uma posição de coexistência, e sugeria um Estado binacional em toda a Palestina. Estes dois grupos, no entanto, foram minoria no movimento sionista, que decidiu por apoiar o Plano de Partilha da Palestina.
No entanto, outras forças se opunham à partilha. O governo britânico era uma delas, assim como os países árabes e parte dos países asiáticos. A liderança árabe na Palestina também rejeitou o plano antes mesmo de sua votação. O Departamento de Estado norte-americano também discordava da partilha, mas foram contidos pelo presidente Harry Truman. A votação era uma incógnita.
A votação
Após ser adiada algumas vezes, a Assembleia Geral da ONU foi marcada para o dia 29 de novembro de 1947, e seria presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha. Dos 57 países filiados à ONU, apenas a Tailândia se ausentou da votação. Seriam 56 países a votar, a aprovação dependia de um mínimo de ⅔ dos votos, e decidiria o futuro da Palestina.
A votação durou três minutos (veja o vídeo abaixo legendado em espanhol) e, por fim, aprovou a divisão da Palestina em dois Estados: um judeu e um árabe. EUA e URSS votaram a favor da partilha, tal qual o Brasil. Foram 33 votos a favor, 13 contrários e 10 abstenções. Ruas foram fechadas em Jerusalém e Tel-Aviv para as comemorações, judeus dançavam em praças públicas em todo o mundo. No dia seguinte, entretanto, eclode uma guerra civil entre os árabes palestinos e os judeus que habitavam a Palestina. O Estado judeu ainda não existia, a votação na ONU não estabelecia o Estado de Israel (declarado por David Ben-Gurion somente em 14 de maio de 1948). A Guerra de Independência (ou Nakhba) começava, ainda que não houvesse Estado judeu. Mas isso será assunto para outro artigo.
O dia 29 de novembro é recordado pelo movimento sionista como o reconhecimento final das nações ao direito histórico dos judeus de estabelecer um Estado nacional na Palestina. Esta foi uma das raras vezes em que os EUA e a URSS apoiaram a mesma decisão, o que aumentou a legitimidade da votação. Quando Theodor Herzl afirmou, em 1897, que em cinco ou em cinquenta anos havia criado o Estado judeu, não imaginaria ter sido tão preciso. Em uma escalada de décadas, o sionismo político alcançava seus êxitos: em 1917, a Declaração Balfour. Em 1937 a Comissão Peel. E em 1947, a Partilha da Palestina. 50 anos depois do Primeiro Congresso Sionista o Estado judeu era formalmente reconhecido. Agora restava construí-lo.
Bibliografia
Abba Ebban. A História do Povo de Israel. Editora Bloch, 1968. São Paulo.
Benny Morris. Um Estado, dois Estados. Soluções para o conflito Israel-Palestina. Editora Sêfer, 2014. São Paulo.
Walter Laqueur. Historia del Sionismo. La Semana Publicaciones Ltda, 1988. Jerusalén.
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Foto de capa: Oswaldo Aranha. Arquivo Nacional. http://arquivonacional.gov.br/
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