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18 anos depois


Originalmente publicado em 04/11/2013, no Conexão Israel

            

O ex-primeiro-ministro, Itzhak Rabin, foi assassinado em praça pública no dia 4 de novembro de 1995. A razão? Desde 1993, Rabin, o mesmo Chefe das Forças Armadas israelense responsável por conquistar os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia em 1967, iniciava um processo de paz com o povo palestino. Seu assassino era um fundamentalista judeu, um religioso ultranacionalista, que não admitia que os judeus não detivessem em suas mãos todo o território da Terra de Israel segundo o entendimento bíblico. O assassino julgou-se maior do que a democracia, já que o primeiro-ministro eleito, com maioria no parlamento, estava realizando as mudanças que julgava serem necessárias. Ignorou os 10 mandamentos e a lei israelense, pois ambos condenam o assassinato. Passou por cima da tolerância e da coexistência, negando aos palestinos o direito clamado pelos judeus durante décadas e só concretizado às custas de muito sangue, em 1948. Democracia, respeito à vida e tolerância não faziam parte dos princípios do assassino. Mas ele não foi o único culpado. E parece que não aprendemos muito com o caso ocorrido.


Desde que Rabin e Yasser Arafat iniciaram o processo que se desencadeou nos Tratados de Oslo, houve um período marcado por forte incitação à violência contra o primeiro-ministro. No dia do seu assassinato, inclusive, Rabin discursou justamente contra este tipo de ação. Havia uma forte oposição, que certamente tinha o direito de manifestar-se, mas jamais desta forma. Daremos exemplos nomeados, pois o lema da “Parada de Rabin” (evento anualmente realizado na praça onde Rabin foi assassinado) é justamente “não esquecer e não perdoar”. E eu incluirei aqui, de forma pouco convencional, outros culpados. Um só dedo puxou o gatilho, mas muitas vozes de incentivo o ajudaram a tomar esta decisão.


O rabino Chanan Porat, ex-líder dos partidos União Nacional e Tkuma foi um deles. Chegou a afirmar: “Não estamos dispostos a continuar a jogar pelas regras do jogo democrático. Não estamos dispostos a obedecer as leis do governo”. O Rabino Menachem Felix, um dos fundadores do grupo de colonos Gush Emunim, afirmou: “o atual regime não tem uma maioria judaica na Knesset para ratificar a rendição à OLP”, em clara alusão racista, como se os árabes não tivessem direito a voto em um Estado democrático. Democracia, aliás, não parece ser um valor importante para estas pessoas. O ex-rabino chefe ashkenazita durante o período 1972-83, Shlomo Goren, emitiu uma nota em 1993, que afirmava que a lei religiosa judaica exigia que os soldados desobedecessem possíveis ordens para demolir os assentamentos. Ou seja: não só os poderes executivo e legislativo deveriam ser desobedecidos, como também o judiciário. E o exército não seria excluído desta regra geral.


Mas não só religiosos fanáticos auxiliaram a incitação e a deslegitimação do governo. Importantes políticos colaboraram com a propagação do ódio, e, mesmo que consideremos que nenhum deles tinha ideia do que aconteceria, no mínimo deveriam ter sido mais responsáveis. O líder do extinto partido extremista Moledet, Rahavam Zeevy, afirmara que o governo era “insandecido e decidiu cometer o suicídio nacional”. O então parlamentar, Ariel Sharon, disse que Rabin havia “colaborado com uma organização terrorista”. Afirmar que Rabin era um colaborador dos terroristas era quase como chamá-lo de traidor. O discurso de Sharon foi realizado no dia 5 de outubro de 1995. A consequência deste protesto foi um ataque a pedradas dos manifestantes ao ministro da Habitação Binyamin Ben-Eliezer e ao carro vazio de Rabin, que foi destruído. Mas ainda em 1993, o então líder da oposição Binyamin Netanyahu aprovou uma declaração da oposição que afirmava: “O povo se ergue contra a traição do governo Rabin”. O atual primeiro-ministro não parou por aí: fez discursos inflamados à frente de cartazes com fotos de Rabin trajando uniformes de terroristas árabes, faixas com a inscrição “Morte a Arafat” e clamou o povo a derrubar Rabin e Peres antes das eleições. Fotos de Rabin trajando um uniforme da Gestapo também foram vistas e divulgadas, e há uma exposta hoje em dia no Museu de Israel localizado no Centro Rabin, em Tel-Aviv. Você pode conferir isso no vídeo abaixo.



Eu poderia seguir exemplificando a incitação à violência e o ataque à democracia, mas acredito já ser o suficiente. Não à toa eu me refiro à incitação utilizando exemplos nos quais Rabin fora chamado de traidor e nazista: são os dois únicos casos a partir dos quais a justiça israelense pode declarar a pena de morte. Os traidores da pátria podem ser condenados à morte por tribunais militares. E Adolf Eichmann, ministro nazista responsável pelo plano da Solução Final, que desencadeou no genocídio de seis milhões de judeus durante a 2ª Guerra Mundial, foi condenado à pena capital pela justiça israelense em 1961. Estas ações, no mínimo irresponsáveis, têm sua parcela de responsabilidade pelo assassinato de Rabin. E não é pouca.


Mas por que eu resolvi tocar neste tema após 18 anos? Nesta semana foram liberados pelo Estado 26 militantes palestinos, presos por Israel acusados de ações terroristas antes mesmo da assinatura dos Acordos de Oslo, parte do plano de negociações. Não pretendo entrar na discussão se eles deveriam ou não ser libertados. Neste momento, eu desejo abrir a discussão sobre as novas incitações: a ministra da Justiça Tzipi Livni, que acumula o cargo de responsável pelas negociações diretas com os palestinos, foi vítima de ataques durante toda a semana. Seu companheiro de partido Amram Mitzna condenou o partido A Casa Judaica por repetirem a postura que culminaria no assassinato de Rabin. Acusam a Livni, que sequer é a responsável por tomar tal decisão, de entregar o país aos terroristas em troca de acordos que só prejudicarão Israel. O partido nacionalista-religioso criou um clima pesado na Knesset, mas curiosamente eximiu Netanyahu de responsabilidade. Completar 18 anos aparentemente deu ao assassinato a maioridade, eximindo outros incitadores de responsabilidade com suas palavras, já que o último caso de grande relevância gerado por tais ações já seria responsável por seus atos, tal qual um adolescente quando atinge tal idade.


Podemos afirmar que não houve reações violentas de defensores de Rabin, de segmentos localizados mais à esquerda. Até os dias de hoje, no entanto, o contrário volta a acontecer. Cidadãos israelenses se manifestam publicamente, como na sátira acima, afirmando que não sentem nada quando são lembrados que um primeiro-ministro foi assassinado por questões políticas. Membros radicais voltam a incitar a violência contra políticos moderados, mesmo que suas ações tenham respaldo do regime democrático. Novamente vemos grupos atacarem de forma aberta a tolerância e a democracia, como fizeram alguns parlamentares nesta semana na Knesset. Só nos falta uma nova tragédia nacional como cereja do bolo. Passaram-se 18 anos e parece que parte grande da sociedade israelense não aprendeu muito com o trágico assassinato político de Rabin. E este 4 de novembro nos diz que o assassinato foi muito bem sucedido. Perdemos esta batalha, e se não nos manifestarmos de forma ativa, perderemos a guerra também.

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Foto de capa: PikiWiki - Israel free image collection project. Por Zvi Tiberiu Keller.


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